Por: Anabela Melão |
O secretário-geral do PS desceu
do alto dos seus tamanquinhos e afirmou que advertiu os representantes da
troika que Portugal "atingiu o sinal vermelho", designadamente quanto
ao nível do desemprego. Mas este não é o único dado com que os portugueses se
preocupam, embora muitos dos problemas secundem este. A começar pelo
endividamento que ensombra quase 40% das famílias. Acabando no
flagelo da pobreza, indiciada pela fome, com 19 bancos alimentares a apoiar 2110
instituições que, por sua vez, ajudaram já 337.500 pessoas. A cara da pobreza em Portugal está a mudar,
com o surgimento de uma nova classe de pobres, ex-classe média, a braços com um dos cônjuges (ou os dois nos
casos mais extremos) no desemprego. Crianças a evidenciarem má nutrição logo de
manhã nas escolas, fruto de situações precárias de fome não assumidas. Até os emigrantes
portugueses recém-chegados a França e à Alemanha experimentam a miséria num
cenário inimaginável há uma década. Não esquecendo os 40 mil idosos sem capacidade financeira sequer para comprar alimentos.
Falando em pobreza e em fome, indignou-nos saber que perdiz, porco preto
alimentado a bolota e lebre são alguns dos produtos exigidos pelo Caderno de
Encargos do concurso público para fornecer refeições e explorar as cafetarias
do Parlamento. Sinal de que por lá a crise não se faz sentir! E nem por isso de
barriga cheia os deputados decidem melhor, talvez se recomendasse até algumas
restrições/contenções no pecado da gula. Para melhor compreenderem o comum dos
mortais que vive fora dos muros de São Bento. Quem diria que convento
beneditino ali albergou gente santa!
E se dentro de portas, o ministro
das Finanças se limita a vaticinar, no debate do Documento de Estratégia
Orçamental, aquela constatação de la palisse, dizendo de que o crescimento da
economia exige a dose necessária de
austeridade (ou queria dizer reforçada?!), já fora de portas, Philippe Aghion, professor de economia na
Universidade de Harvard (EUA) e conselheiro do presidente francês, François
Hollande, melhor propôs uma reestruturação das dívidas públicas de Portugal e
Espanha, para superar a crise na zona euro, chegando mesmo ao ponto de afirmar
que a Grécia, a Espanha e Portugal não têm hipótese de crescimento sem
um haircut (corte da dívida pública) que confira mais flexibilidade no Tratado
para levar a cabo reformas estruturais. Haverá luz ao fundo do túnel?
Falando em túneis, pontes e afins, o juiz jubilado do Tribunal de Contas, Carlos Moreno,
por quem nutro admiração e respeito desde os meus tempos de auditora do TC,
chamou, sem dó nem piedade, como é seu timbre, ‘incompetentes’ os políticos que
negociaram as Parcerias Público-Privadas, defendendo que as empresas devem
aceitar baixar os seus lucros, face ao especial contexto de crise em que
vivemos. A verdade é que os contratos foram visados pelo TC, cujos juízes se
dizem “enganados” pelos precedentes governos. E é também curioso que este
Governo que tanto falou isto antes de ser eleito, tenha agora, com o Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de Maio, impedido que,
da sua aplicação, resultem alterações aos contratos
de parcerias já celebrados, ou derrogações das regras neles estabelecidas, nem
modificações a procedimentos de parceria lançados até à data da sua entrada em
vigor. Ou seja, tanta acusação de “incompetência” e de “incapacidade
técnica do sector público’ na negociação de PPP’s – ainda nos recordamos do
episódio mais recente com a Lusoponte – deu em coisa nenhuma, para não variar
àquela máxima de que, por cá, as montanhas parem ratos.
E é assim em cenário de desemprego,
pobreza e fome e de fausto e abundança beneditino, de soluções de maior
flexibilidade no Tratado a partirem mais de fora que de dentro, e de
“bloqueios” reforçados a contratos leoninos que se vai vivendo num País em que
toda a gente fala que se desunha e nada faz de protesto efetivo e sério.
O que é certo é que o pano de fundo desta
opereta triste está cada vez mais negro e nós ora nos sentimos palhaços ora
pierrots. Enfim, de todo o modo, tristes!
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