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sábado, 10 de janeiro de 2009

Artigo de opinião

A minha viagem ao Alentejo

Como continuam a pagar-me para não fazer nada, enquanto não vem melhores dias fui passar alguns dias com a minha tia Alice que vive ali para os lados de Arronches. Uma aldeola linda e pacata que no Verão até nos esquecemos que vivemos ao de cima da terra tal é o sossego que paira por aquelas bandas.
Todos se conhecem e todos sabem da vida de cada um. Quando algum «estranho» por lá poisa é que se «fecham em copas» com receio de ser algum jornalista que os quer difamar ou publicar aquilo que não deve, dando a impressão que os alentejanos são aquilo que todos nós sabemos por causa das anedotas que por aí contam.
Ainda eu mal tinha pisado a terra do sítio e ainda descia os degraus da «carreira» que me levava, já uma vizinha gritava para que todos ouvissem: «aí vem a Mariana, a sobrinha da Alice.»
Fiquei envergonhadíssima porque não esperava por tal recepção. Por detrás desta anunciante quase uma dezenas de outras mulheres se dispunham a ajudar-me a levar a «rancheira» quando na verdade apenas levava uma pequena mala.
Quando me voltei para o condutor a fim de despedir-me dele, porque na viagem – ia no banco traseiro do condutor – levamos o percurso sempre a conversar sem dizer mal de nós, o motorista mostrou um sorriso que fiquei na duvida se era do aparato recepcionista se por algum outro motivo.
O senhor, por acaso bastante simpático, contou-me qual foi a sua vida profissional até chegar a «motorista da Rodoviária» e das malandrices que fazia quando era «taxista» em Lisboa. Malandreco que gosta de ser, assim o entendi, explicou-me como funcionava: «um espelho secreto estava colocado e bem escondido no seu “táxi” onde, sem as clientes se aperceberem, conseguia ver as suas partes mais íntimas» Até fiquei envergonhada por esta malvadez. Ainda teve o descaramento de acrescentar que «em casa contava tudo à esposa.»
A Tia Alice que é uma óptima cozinheira para festejar a presença da sobrinha fez questão de fazer um «bolo de amêndoa» à maneira da «terra» para o comermos nos poucos dias que por lá estivesse (não que me apetecesse estar mais tempo, mas alguém poderia chamar-me para desembaraçar estes braços que estão fartos de boa vida). Quando iniciou os preparos do dito reparou que não tinha uma gota de azeite. Pediu-me então que fosse à “Tasca da Célia” «comprar uma garrafa».
«Não te atrapalhes filha, é mesmo ali no fim da rua» e vindo à rua apontou-me o local. Uma artéria que pouco mais tinha do que uma centena de metros, estando a casa de minha tia sensivelmente a meio.
Bem produzida que ia (Porra! A vida são dois dias. Sempre gostei de andar bem arranjada e…um pouco provocante. Mesmo assim ninguém me convida para uma vida a dois. Suponho que quando ando pelas ruas de Alpiarça, vocês leitores devem reparar em mim. Modéstia à parte…não sou ainda de deitar fora…) pelo caminho pensei que “Tasca” deveria ser alguma taberna ou algo do género. Nem pensar! Era tudo menos uma tasca. Vende-se um pouco de tudo: vinho, cerveja, produtos alimentares, produtos de higiene, farmacêuticos, jornais, bolos e o diabo-a-quatro. Tanta coisa a vender que o “Continente” parece uma tasca ao lado da “Tasca da Célia”. Até tinha bem exposto as mais variadas qualidades de “Durex”.
Irra! Disse cá para mim para acrescentar «aqui na “parvalheira o pessoal anda bem actualizado».
Quando entrei o Senhor Jeremias, assim se chama, estava encostado ao balcão. Olhou-me de tal forma que até pensou que o «diabo em saia» estava a entrar pelo seu estabelecimento. Numa fracção de segundo, que não sei explicar de outra forma, o Jeremias começou a partir bocados de papel que tinha em cima do balcão e a meter na boca. Enquanto me aproximava…mais papel metia na boca e mais mastigava….mais me aproximava mais repetia a situação ao ponto de quando cheguei junto dele, começar a abrir a boca como um desalmado para ficar com a boca redonda como uma tomate tal era a quantidade papel.
Pasmada com a situação, meia atrapalhada, coisa que não costumo ser, nem sabia o que dizer. Acabei por lhe pedir uma garrafa de azeite daquela marca (apontei qual) que é a recomendada pela minha tia Alice.
Não me ligou nenhuma nem me respondia. Entretanto chegam dois clientes que pouco ou nada ligaram ao que assistiam. Tive então que dizer em tons menos amistosos que se não me vendesse o que a Tia Alice precisava tinha que me retirar e transmitir a quem me mandou à “Tasca da Célia” com a uma informação pouco desagradável.
Então não é que o safado se volta para mim e me diz: «Menina Alice, que graça é a sua. Tão linda está que até parece uma flor (mirando-me de cima a baixo com olhos nojentos ou de quem já não via uma mulher a anos) que vêm de Alpiarça passar uns dias à nossa parvalheira não se irrite! Eu, Jeremias digno e honesto comerciante apenas estava petiscando». Volto-me para ele e respondo-lhe «a petiscar comendo papel? O senhor bate bem da tola? Desde quando uma pessoa normal come papel?» Foi uma gargalhada cerrada entre ele e os patrícios para deduzir então que o Jeremias me aprontou alguma à maneira alentejana, para de seguida me dizer: «Não pense coisas infundadas (olhando descaradamente para o meu decote) porque eu não como papel. O que estava comendo era “papel de hóstia” daquele papel que enrolo nos bolos que vendo.»
«Seu filho da mãe!» pensei cá para comigo. Fiquei envergonhadíssima pela minha ignorância e ter sido apanhada no meio das partidas alentejanas.
Quando contei à minha tia o sucedido quase teve um ataque de tanto se rir: «Ai filha, aquele desavergonhado do Jeremias é o “Diabo” quando vê uma rapariga bonita como tu!»

Mariana Teixeira

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