Como quase todos os conceitos políticos e
filosóficos, também o patriotismo é alvo de inúmeras conceptualizações
conflituantes que, segundo Alasdair MacIntyre, ocorrem num espectro que
tem num extremo a ideia de que o patriotismo é uma virtude e, noutro,
que é um vício. Resumidamente, pode-se definir o patriotismo como o amor
pelo próprio país, identificação com este e preocupação com os nossos
compatriotas. Não é despiciendo referir a comum sobreposição e confusão
com o nacionalismo, pelo que importa salientar a distinção que Lord
Acton opera, afirmando que o nacionalismo está ligado à raça, algo que é
meramente natural e físico, enquanto o patriotismo se prende com os
deveres morais que temos para com a comunidade política.
Por outro lado, talvez seja mais fácil pensar que o patriotismo
pertence àquela categoria de conceitos que se não me perguntarem, eu sei
o que é. Isto acarreta vários problemas, especialmente no que concerne à
transposição e utilização do patriotismo no debate político. Também o
interesse nacional e o bem comum são conceitos que podem pertencer a
esta categoria, e também sobre estes há inúmeras perspectivas. José
Sócrates invocou recorrentemente o interesse nacional para se recusar a
pedir ajuda internacional, quando já era mais do que sabido que não só a
viabilidade financeira do estado português estava em causa, como também
a soberania nacional. Como poderia ser do interesse nacional – conceito
que está directamente relacionado com o patriotismo – persistir naquele
caminho?
Acontece que, em democracia, os partidos políticos são necessários
mas promovem, frequentemente, a fragmentação da sociedade num clubismo
irracional e num sectarismo que deixa ao critério da opinião da maioria a
decisão sobre o caminho a seguir. Quando os limites à acção
governamental não são bem definidos e fortes, quando a separação de
poderes não actua como deveria no sentido da difusão do poder, isto pode
ser perigoso para todos os indivíduos de uma comunidade nacional
organizada politicamente num estado. Ademais, tendendo o estado moderno
para a adoração de símbolos nacionais, contribuindo para a criação,
acrescentando-se ou substituindo-se a um sentimento patriótico, deixar
que no debate político uma das partes se possa livremente ancorar no
patriotismo para justificar as suas acções, ou seja, apelando à emoção e
não à razão, pode ser fatal não só à parte contrária como à nação.
Claro que a política é feita em larga medida de emoção. Mas sendo o
patriotismo o amor pelo próprio país, cada indivíduo desenvolve à sua
maneira esse amor. Frequentemente, como acontece em Portugal, este amor
revela-se numa assertiva e mordaz capacidade de crítica, provavelmente
herdeira da nossa veia queirosiana. Pode até levar a um “intenso
sofrimento patriótico, o meu intenso desejo de melhorar o estado de
Portugal”, como no caso de Fernando Pessoa. Aquilo que o patriotismo não
deve ser, é um amor acrítico, muito menos por partidos políticos e
governos, porque também de acordo com Pessoa, “O Estado está acima do
cidadão, mas o homem está acima do Estado”, e é preciso não esquecer que
o falso patriotismo, que, por exemplo, descura o bem-estar dos nossos
compatriotas, e que habitualmente se revela nos auto-proclamados
patriotas, é, como Samuel Johnson afirmou, “O último refúgio de um
canalha.”
Vem isto a propósito, também, do momento que vivemos de ocasional
exaltação patriótica, em virtude da participação da selecção nacional de
futebol no Euro 2012. Gosto de futebol, e gosto de vibrar com futebol,
especialmente com a selecção nacional. Mas é com pesar que observo o
lamentável espectáculo a que por estes dias podemos assistir nas ruas de
Portugal: as bandeirinhas nacionais na janela. Parece-me ser um
fenómeno de patriotismo falso, artificial, ainda para mais quando em
Portugal existe uma enorme apatia pelo envolvimento na causa pública,
que se reflecte na falta de fiscalização e limites à actividade
governamental, não sendo, por isso, de admirar os abusos a que governos
vários nos sujeitam.
Uma nação que se deixa esbulhar e ir à bancarrota sem espernear, que
deixa que a sua pátria seja violada por algo como o Acordo Ortográfico,
que ainda assiste impávida e serena ao pavonear dos actores principais
deste triste fado, e que só com a selecção nacional de futebol se deixa
exaltar num patriotismo pífio, não é uma nação. É uma caricatura e o
espelho da pobreza de espírito que grassa em Portugal.
«DD»
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