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terça-feira, 2 de novembro de 2010

A CENA DO ORÇAMENTO – VISTA POR FORA (E POR DENTRO?)



Por: Anabela Melão
Intervalada a novela do Orçamento de Estado, esquecendo o caricaturismo de algumas cenas que ficarão lembradas na forma de fazer política em Portugal (ir a casa de um dos protagonistas, a fotografia saída do telemóvel de um deles, numa inédita “privatização” da vida pública), achei interessante partilhar convosco uma certeza: se nós andámos baralhados com as jogadas fará os de “fora”. Refiro-me à imprensa internacional que põe em evidência o ressurgimento de tensões durante a apresentação do acordo no Orçamento para 2011.

O Wall Street Journal afirma que o entendimento "após controversas semanas de intensas negociações" se deveu às cedências de ambas as partes a fim de se evitar uma crise financeira e política, destaca as críticas de Teixeira dos Santos relativamente às exigências do PSD e as repercussões orçamentais decorrentes das mesmas. E acaba por concluir que a solução foi a possível já que o chumbo do OE poderia levar à queda do Governo e a uma crise que muito provavelmente obrigaria Portugal a "seguir o exemplo da Grécia", pedindo ajuda à União Europeia e ao Fundo Monetário Internacional.

O Financial Times retira a mesma conclusão e é assim que justifica o acordo após "várias semanas de tensas negociações", embora acresça que a tensão ressurgiu no sábado, depois da cerimonia de assinatura do protocolo ser cancelada à última hora e de se ter optado por declarações separadas, realçando que o ministro das Finanças "criticou o PSD por não apresentar propostas adicionais de cortes na despesa para compensar a perda de receitas" resultantes das medidas de que fez condicionar o acordo.

"Portugal evitou um possível colapso do Governo após os dois principais partidos terminarem no sábado um mês de impasse quanto ao orçamento do próximo ano", titula o New York Times, destacando o facto de José Sócrates ter ameaçado com a demissão várias vezes, na eventualidade da não aprovação do OE na Assembleia da República, concluindo que o acordo irá forçar o Governo a encontrar soluções alternativas para atingir a meta do défice.

A agência financeira Reuters salienta também que o acordo visou evitar uma crise política e financeira e qualifica Portugal como um dos membros da zona euro mais frágeis financeiramente, após um impasse que "ameaçou deixar o país paralisado", não deixando de concluir, como os demais, que a inexistência de um acordo "poderia obrigar o Governo a procurar um apoio financeiro nos seus parceiros europeus, como a Grécia fez no ano passado”.

Seria de pensar que, no plano internacional, os comentadores, os economistas e os politólogos, com a assinatura do acordo, tivessem sossegado os mercados e os parceiros internacionais. Mas segundo Nouriel Roubini (o economista que previu a última crise financeira), Portugal e a Irlanda acabarão por ter o mesmo destino da Grécia. "Apesar do plano de resgate anunciado, apesar das ajudas à Grécia e apesar dos testes de resistência à banca, as dívidas dos países periféricos continuam a apresentar problemas. E o crescimento económico na Europa, especialmente nos PIGS, vai ser muito baixo e inclusivamente negativo. O panorama assusta", afirmou entrevista ao ‘El País'. E afirma que "com dívidas tão altas e com os planos de austeridade, a deflação é um risco sério", antecipando que "países como a Grécia vão ter que reestruturar a sua dívida e isso provocará uma nova crise orçamental" e que esta "já não é uma questão se vai acontecer, mas apenas quando". Concluindo, aponta o dedo, dando-os como culpados da difícil situação dos países periféricos, o Banco Central Europeu (BCE) e a Alemanha. "A teimosia do BCE, que se empenha em ver fantasmas de inflação, é um desastre para a Europa e em particular para os países periféricos", disse. E avisa "quando o euro atingir os 1,60 dólares desaparecerá qualquer possibilidade de recuperação, e provavelmente veremos outro país a pedir um resgate como fez a Grécia. Portugal e Irlanda são os países pior situados". Já Espanha, refere, "está muito melhor que a Grécia, e melhor que a Irlanda ou Portugal", apesar de que "tem uma dívida privada enorme, um desemprego muito elevado que não vai baixar no médio prazo e uma bolha imobiliária".

Por cá ficámos com a ideia de que o risco de nos vermos governados pelo FMI desapareceu com a aprovação do Orçamento. Por lá, ficaram com a ideia de que apenas conseguimos adiar o inevitável. No entretanto, resta-nos “conquistar Portugal”. É chegada a altura de, plagiando John F. Kennedy, cada português apontar para si mesmo e para o outro e dizer " Não perguntes o que o teu País pode fazer por ti, mas sim o que tu podes fazer pelo teu Pais"?