A Justiça tornou-se um tema recorrente. A última semana trouxe-nos indicadores preocupantes.
Primeiro, devido ao facto de a criminalidade em Portugal estar a aumentar, segundo os dados da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, destacando-se, sobretudo, o aumento da criminalidade fiscal e na área da corrupção. Quase metade dos novos inquéritos que deram entrada este ano respeitam a crimes fiscais (fraude fiscal, abuso de confiança fiscal, e outros). Desde empresas que retém verbas para a Segurança Social e que não entregam o dinheiro ao Estado a pessoas singulares que prestam falsas declarações de rendimentos ao fisco. Quanto à corrupção, a PGDL registou 166.002 novos inquéritos na área da sua jurisdição, até Setembro, abrangendo todo o distrito de Lisboa, grande parte do distrito de Leiria, algumas comarcas de Santarém, duas da Margem Sul e as regiões dos Açores e Madeira. Preocupante também, embora estatisticamente estável, é a criminalidade participada por tráfico de droga, com uma ligeira diminuição do número de crimes contra o Estado e a emissão de cheques sem cobertura.
"A criminalidade reflecte a violência que existe na sociedade", afirma Francisca van Dunem, que entende que se pode voltar aos índices de criminalidade verificados em 2008, o que significa que, depois de uma baixa na criminalidade citada no relatório anual de segurança interna, pode vir a verificar-se uma inversão com uma nova subida.
Ora, tudo isto vem a propósito da greve do dia 24. De um lado, a Procuradoria Geral da República decide assegurar os serviços mínimos, tendo sido a adesão decidida pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público que avisou o ministro. Uma atitude nunca antes vista. Uma decisão comunicada à hierarquia do Ministério Público por Isabel São Marcos, a recentemente eleita vice-procuradora-geral, dois dias depois de o sindicato apresentar o pré-aviso aos ministérios da Justiça e do Trabalho. A procuradora-geral determinou que os procuradores-gerais distritais, o coordenador do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça e a directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal assegurem, por turnos, o serviço urgente, nomeadamente casos de prazos máximos de prisão preventiva e providências urgentes de menores em perigo.
A decisão levantou polémica no Ministério Público, primeiro, porque não está prevista a intervenção sindical na definição dos serviços mínimos e porque espelha a posição própria de cada magistrado, na decisão de adesão à greve e, segundo, porque nunca se tomou uma medida destas ao nível da magistratura. A que acresce que as leis gerais que regulam o exercício do direito à greve prevêem o acordo entre os funcionários e as entidades patronais quanto à forma e duração dos serviços mínimos, sendo que, em regra, são os representantes dos trabalhadores a definir quem efectuará os serviços mínimos, com a excepção de, se os sindicatos nada decidirem até 24 horas antes do início da greve, a entidade patronal defini-os ela mesmo.
Relativamente aos funcionários do sector da Justiça, há que ter em conta o entendimento subscrito num parecer do Conselho Consultivo da PGR, de 1999, que reconhece que as associações sindicais têm de ser auscultadas quanto a serviços mínimos. O que fomenta o antagonismo entre as partes. Com o Sindicato dos Magistrados (ASMP) a garantir que vai definir os serviços mínimos com o Governo, porque não reconhece à PGR o direito a impô-los unilateralmente. A agravar pela circunstância de afirmar (a ASMP) que o Governo não está a negociar de boa fé a lei do Governo que visa rever o Estatuto dos Magistrados Judiciais, estabelecendo uma conexão (?!) entre as condições de independência necessárias às decisões judiciais os subsídios e a jubilação.
Para uns casos, os juízes arrogam-se os protagonistas de um órgão de soberania independente, numa situação de supremacia. Para outros, exigem ter os direitos dos trabalhadores “normais”. Esquecidos ficam os índices de criminalidade a subir decorrentes, alguns deles, nas palavras dos próprios juízes, da crise financeira. Crise financeira que não se coíbem de agravar aderindo a uma greve que em nada apoia a recuperação económica do País. Vestem-se e despem-se as togas, conforme as conveniências. E, abaixo de tudo, fica o interesse do País. Uma atitude que obriga ao desapontamento. Que provém da imagem que antes se tinha de uma classe que se supunha acima de lutas partidárias! Uma imagem dificilmente recuperável face ao recente protagonismo negativo dos vários interlocutores e representantes da classe. Provavelmente, fomos todos nós que errámos: elevamo-los a um púlpito imerecido