Por: Anabela Melão
O artigo merece ser aqui trazido pela relevância da voz que o expõe. É do Rui Rangel e intitula-se "Realidades indissociavéis", de 18-Nov-2010
"Rui Rangel - Ainda a propósito da minha última crónica sobre a responsabilidade civil e penal dos políticos. Nas sociedades democráticas e nos tempos que correm, não existem princípios imutáveis e puros. Tudo está em mutação ou em renovação. O aumento dos níveis de responsabilização é uma necessidade e uma exigência dos tempos, sendo um sinal de transparência e de crescimento das democracias.
Hoje, as responsabilidades política, civil e penal dos titulares de cargos públicos constituem realidades indissociáveis. A mera responsabilidade política é insuficiente e não oferece garantias de boa governação da coisa pública. Até porque os níveis de abstenção nos sucessivos actos eleitorais e as cifras negras elevadas de analfabetismo existentes têm enfraquecido e fragilizado a responsabilidade política.
Já não existe uma genuína responsabilidade de quem exerce cargos políticos. Ninguém cumpre as promessas eleitorais, governa-se em função dos interesses partidários e dos ciclos eleitorais e não à dimensão e às necessidades do País. Aumenta a responsabilidade política no dia em que quem estiver no poder governar para perder as eleições. E nesse dia ganham Portugal e a democracia. Mas como estamos longe desse dia, é necessário encontrar, por via legislativa, outros patamares de responsabilidade.
Não é populismo nem demagogia defender a responsabilidade civil e penal dos titulares de cargos políticos. É normal e lícito em democracia existirem políticos incompetentes e a prática do erro. Esta não confere nenhum título de qualidade nem certifica a competência. Mas ninguém ousará contestar que a democracia e o Estado de Direito certificam a verdade, a transparência, a lealdade e não pactuam com o erro grosseiro. A legislação que já existe sobre a matéria, particularmente a Lei nº 34/87 de 16 de Julho, que trata dos "Crimes de Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos", é vaga, imprecisa, generalista e muito branda. Em termos de prevenção, não tem o mais pequeno pingo de dissuasão.
O crime compensa desde que seja de bolsos cheios. A margem na lei criminal existente é nula ou quase nula e não é por falta de capacidade judicial para a aplicar. Esta lei fraca e tímida mostra que não é nenhum crime à democracia defender essa responsabilidade. O que se queria era uma lei exigente e mais clara e objectiva. Mas como são os políticos que as fazem, é sempre assim, para que fique tudo na mesma.
Então, o titular de cargo político que de forma grosseira autorize despesas sem cabimento, gaste mais do que aquilo que o País pode suportar, faça grandes obras públicas em momentos de completa ruptura económico-financeira, afunde as finanças, endivide o Estado até à exaustão, escondendo esta realidade e a seguir venha pedir sacrifícios às famílias e às empresas, não merece ser responsabilizado civil e criminalmente? Claro que sim.
Não é de agora nem por causa desta crise ou de certos processos judiciais que envolvem políticos que defendo o aumento dos níveis de responsabilização. A responsabilidade civil e penal, por erro grosseiro, na violação de regras orçamentais é uma necessidade das democracias modernas e uma salvaguarda dos bons políticos, devendo, por isso, ser alargada." (Rui Rangel Correio da Manhã 18.11.2010)
Ainda bem que o Rui Rangel se pronunciou porque quando teci criticas à Lei 34/87, havia quem entendesse (vide, p. ex. revista Sabado da semana passada) que esta era quanto bastava para responsabilizar criminalmente os titulares de cargos políticos - e com isso louvasse a "descoberta" de Pedro Passos Coelho, mas, de facto, não é. Fazer uma nova lei é uma exigência inquestionável! Façam-nos o favor!!