Por: Anabela Melão
Celebra-se, hoje, o Dia Internacional de Combate à violência contra a mulher. Julgo que todos reconhecemos que esta é uma causa de cada um e de todos. Independentemente de ser física e/ou sexual, psicológica, por meio de coação, constrangimento, ameaça, de subtil ou explícita. Independentemente de condições sociais, étnicas, estéticas ou etárias. A violência contra a mulher assenta na própria condição feminina, e é mais ou menos bem suportada e tolerada pela construção de valores e papéis sociais que, ao longo da história, vêm submetendo as mulheres a relações desiguais, interferindo negativamente no desenvolvimento da sua autonomia e na conquista da sua emancipação.
A última das causas que congregou a comunidade mundial foi a da iraniana Sakineh Mohammadi Ashitianí, condenada à lapidação até à morte por adultério e cumplicidade no homicídio do marido. Parece que a sua vida está, literalmente, por um fio, embora, já hoje, um alto funcionário do regime de Teerão tenha afirmado que está a ser estudada a possibilidade de comutação da pena, recordando que a sua execução ficou em suspenso devido à campanha realizada por países ocidentais e organizações de direitos humanos contra a concretização da sentença, sem esquecer o papel determinante do Conselho de Direitos Humanos do Irão. Hoje, também, uma notícia sobre a situação das mulheres nos Emirados Árabes Unidos, dá conta da aprovação recente de um parecer, emitido pelo Supremo Tribunal, que reconhece ao homem o direito de “disciplinar” (leia-se agredir) mulher e filhos, desde que não deixe marcas físicas visíveis. Uma “legalização” que ocorreu depois do julgamento de um caso de violência doméstica cometido por um cidadão de Sharjah, que agrediu a estalo e pontapé a mulher, deixando-lhe ferimentos na cara e na boca, e a filha, com ferimentos na mão e no joelho. E, segundo o tribunal, os ferimentos nas duas mulheres relevam, apenas, porque provam que o pai abusou do seu direito na sharia, sobretudo, relativamente à filha, de 23 anos, que já seria velha demais para receber uma punição do pai, dado que, de acordo com a sharia, a puberdade determina o estado de adulta. Felizmente, a decisão do Supremo Tribunal suscitou a indignação das entidades que lutam por uma maior abertura e modernização do país, afirmando que a aplicação da sharia mancha a imagem dos Emirados Árabes Unidos, até porque a sua população é maioritariamente estrangeira.
É tempo - está-se sempre a tempo - de se agitarem as consciências e de se trabalhar para conseguir a mobilização geral da comunidade, nacional e internacional, contra a violência sobre as mulheres.
Trata-se de uma situação assumidamente chocante e em que todos os meios servem para se combater este flagelo. Amanhã, não é, pois, dia de celebrar, é, sim, dia de se chorar, porque, ainda, há muito em que se reforçar a luta pelo fim desta maleita social, pela formação e pela informação. O conceito da sentença dos Emirados Árabes Unidos, de que “disciplinar” vale, desde que não haja marcas visíveis, é, por acção e omissão, “permitido” em muitos estados democráticos, sabendo-se que há casos em que essa é uma recomendação dada por alguns advogados aos seus “ilustres” clientes. E falo por experiência própria.
Mas, se as marcas físicas exteriorizam os maus tratos, não esqueçamos, peço-vos o encarecido favor, que as marcas da alma nunca se apagam e delas quase nunca se recupera. E, quando perguntam, a quem já a sofreu na pele, porque não arrisca e porque não se “deixa levar” e tenta ser feliz, a resposta é pragmática: não se trata de não arriscar, ainda que pela primeira vez, a felicidade, mas de não arriscar, mais nenhuma vez, a infelicidade. Porque é bom que só uma vez chegue para se dizer “basta”!