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domingo, 21 de novembro de 2010

NATO, mentiras e blindados

Por: António Filipe *

Já agora, deixo umas brevíssimas notas à margem, porque relativamente laterais, sobre a cimeira da NATO.

1.ª – A cobertura mediática sobre a realização da cimeira da NATO em Lisboa foi um exemplo de escola de “lixo tóxico” em matéria informativa. Vimos 500 reportagens sobre a aterragem do Air Force One na Portela. Vimos milhares de reportagens sobre os blindados da PSP que vinham mas não vieram e que eram para a Cimeira, mas afinal não eram. Vimos outros milhares de reportagens sobre o perigo de atentados terroristas, sobre os milhares de arruaceiros de aquém e de além-mar que assentariam arraiais em Lisboa para fazer distúrbios e partir montras, sobre a preparação de corpos especiais, grupos de intervenção, serviços secretos e toda uma panóplia policial preparada a enfrentar um Bin Laden em cada esquina. Vimos 50 reportagens sobre a ementa do almoço de Cavaco Silva com Obama. Vimos e ouvimos centenas de especialistas e comentadores a repetir até à náusea que a Cimeira foi um momento histórico, porque sim, porque sim e porque o que é bom para os Estados Unidos é bom para todos e o que é bom para todos é bom para Portugal.
O que é evidente, ou seja, que a NATO é uma organização de carácter agressivo, destinada a conferir suporte político à hegemonia militar dos Estados Unidos e às suas ambições de dominar militarmente o planeta para impor o seu domínio político e económico, ameaçando tudo e todos os que tenham a veleidade de resistir a essa hegemonia, não é coisa que possa ser dita porque poria em causa o brilho de tão lustrosa cimeira.
A generalidade da informação sobre a cimeira da NATO não passou de lixo tóxico.
2.ª – A forma como foram tratados na comunicação social os cidadãos dispostos a contestar a realização da Cimeira da NATO em Portugal, foi verdadeiramente insultuosa e intimidatória. Foram sistematicamente tratados como arruaceiros, senão como terroristas. Segundo a comunicação social, estariam a ser preparadas acções de desobediência civil, distúrbios de toda a espécie, porventura atentados. Foi anunciada a entrada em Portugal das mais sinistras organizações e somar a outras não menos sinistras já existentes ou infiltradas em Portugal.
Não ignoro que em outros países se tenham manifestado contra a NATO, grupos ditos anarquistas que semeiam distúrbios e cuja promiscuidade com a provocação policial tem feito correr alguma tinta. Mas também não ignoro, e ninguém ignora, que esses grupos não têm qualquer expressão entre nós, e que as manifestações promovidas pelas forças progressistas portuguesas assumem grande dimensão e são sempre, sublinho sempre, pautadas por um civismo exemplar. A manifestação que juntou 30 mil pessoas em Lisboa é um exemplo disso mesmo.
O que aconteceu foi que a Cimeira da NATO foi antecedida de uma guerra suja, na qual a comunicação social dominante se envolveu em pleno, visando intimidar e desmobilizar os cidadãos de se manifestarem contra a Cimeira, semeando aos quatro ventos a ideia de que qualquer manifestação daria lugar a distúrbios e a confrontos com a polícia. O sucesso da manifestação contra a NATO, pela sua amplitude, derrotou essa campanha. Porém, não faltaram noticiários que, omitindo a dimensão e o significado da manifestação, se limitaram a referir a ausência de distúrbios e a ouvir responsáveis policiais que se referiam a esse facto como uma proeza sua.
3.ª – Uma última nota para a irresponsabilidade e incompetência do MAI. Primeiro semeou o alarmismo: Portugal correria sério perigo de atentados terroristas. Depois justificou despesas inadmissíveis com a “segurança” da Cimeira: os nossos aliados faziam exigências que nos levariam a gastar 20 milhões de euros em novos equipamentos securitários, mas o Governo, ciente das dificuldades, gastaria “apenas” 5 milhões retirados, como de uma cartola, do Governo Civil de Lisboa.
Segundo informação dada na Assembleia da República, esses 5 milhões destinar-se-iam a comprar seis viaturas pesadas blindadas, seis viaturas para transporte de detidos, um canhão de água, uma viatura pesada e mais seis ligeiras para remoção de obstáculos, 45 carrinhas tácticas anti-motim, e outros equipamentos como escudos, viseiras e bastões. Essas seriam as exigências mínimas para a segurança da Cimeira. Tudo apontaria portanto para a ocorrência de gravíssimas alterações da ordem pública por ocasião da Cimeira, coincidindo com a campanha mediática em curso, complementada aliás com extensas e repetidas reportagens sobre a intensa preparação de corpos de intervenção dispostos a intervir em situações de quase estado-de-sítio.
Quando se tornou evidente que os célebres blindados não viriam, como não vieram, a tempo da Cimeira, o MAI operou um passe de mágica, e os equipamentos indispensáveis para a Cimeira passaram a ser indispensáveis para outras finalidades, como sejam a intervenção em bairros problemáticos.
De tudo isto resultam várias conclusões inevitáveis: em primeiro lugar, a incompetência absoluta do MAI, dado que a Cimeira passou e os blindados não vieram. Se os blindados fossem indispensáveis para a segurança da Cimeira, como se dizia, então a segurança da Cimeira tinha sido grave e irresponsavelmente posta em causa. Se os blindados não eram para a Cimeira, então o MAI mentiu, ao afirmar reiteradamente que o eram, embora, passada a Cimeira, pudessem ter outras utilizações.
Em todo o caso, estamos perante uma inadmissível trapalhada. Provavelmente os blindados chegarão para a Cimeira, depois da Cimeira. Vão custar milhões de euros ao bolso dos contribuintes e destinam-se evidentemente a ser utilizados contra os próprios contribuintes, caso estes decidam protestar com veemência contra um Governo que os anda a roubar.
* Deputado do PCP na Assembleia da República e colaborador periódico deste jornal