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terça-feira, 2 de novembro de 2010

Cavadores ao Poder

Por: Pedro Miguel Gaspar *

Entre os políticos e as outras pessoas sempre houve uma fenda separatista. A política sempre teve o seu cordão umbilical ligado a um elitismo de castas sociais.

Iremos por partes. Para alguém menos atento, a política não partilhou o berçário da democracia. Foi, antes, vê-la nascer como um dono que ajuda a parir mais um burro de carga onde se irá montar depois de tantos outros burros mortos de cansaço. Tinham morrido ou prestes a serem abatidos, entre tantos outros, os sistemas imperiais, os eclesiásticos, os monárquicos e os ditatoriais. Mortos uns, nados outros. Tão simples como a vida em si.

Mas a política é tão eterna quanto a existência humana porque com ela partilha uma essência que é transversal a ambos, o poder. E o poder, afrodisíaco ancestral, atrai homens e mulheres que, ao se entregarem às regras do jogo do momento, se tornam políticos. E tem sido a preservação deste “bem”, o poder bem entendido, o causador de guerras, disputas, causas fracturantes, doutrinas, revoluções e convulsões.

As intestinas disputas pelo poder tiveram, no entanto, um factor comum. Os que tiveram acesso a esse poder e os outros. De facto, não luta pelo poder ou o detém quem quer, mas quem pode (a própria palavra dá corpo ao argumento). E quem sempre pôde foi quem sempre teve acesso ao conhecimento e à informação antes dos demais.

Foi assim com Reis (veja-se como a informação antecipada nos favoreceu no Tratado de Tordesilhas), com os Eclesiásticos que criaram o Confessionário para terem informação privilegiada e controlarem as comunidades até aos dias de Salazar que criou a PIDE que, muito mais que reprimir, tinha como missão recolher informação.

Emprenhou-se a mente humana de dogmas e doutrinas a iluminar a justiça social e a revestir a igualdade entre todos de uma aura inigualável na Historia do Homem e deu-se à luz a Democracia. Mas a natureza humana é incontornável. Cedo se definiram esquemas para que o efeito fosse o inverso. Como impedir, então, que o Homem comum tivesse acesso ao Poder e às elites e vice-versa?

Lembro-me do meu avô me contar que os Mestres de profissões trabalhavam de costas para os aprendizes para que estes não aprendessem. Curiosa relação. Mas não estranha. Quando mais cedo tivessem aquela informação, aquele saber da profissão, mais cedo os Mestres correriam o perigo de deixarem de ser…Mestres.

Na política fez-se e faz-se o mesmo. Separa-se o povo inculto dos brilhantes académicos criando uma fenda separatista que tem implícita a segregação entre capazes e incapazes. Entre os dirigentes e os outros.

Hoje, no entanto, o acesso à informação é brutal e o contágio de uma simples mensagem no Facebook pode correr mundo e inverter, em meia dúzia de horas, um dogma ou uma corrente de pensamento. Vão caindo mitos e as causas sociais que criaram as esquerdas e as direitas só já têm sentido no cofre-forte dos Partidos Políticos Tradicionais.

Os Partidos através dos seus dirigentes, sem sustentação nas causas do passado, lidam com uma realidade diferente e terão, a bem da sua própria sobrevivência de se reinventar. Já não servem apenas os títulos académicos, os berços familiares e os berços comprados.

A proliferação de movimentos, lista de independentes, grupos de pensadores e até o agonizante sinal de uma abstenção galopante já deveriam ter sido sinais de alarme de sobra para uma convergência com a sociedade actual.

Porque, em resumo, de nada serve um general sem tropas e os líderes do futuro (amanhã já será tarde) serão aqueles que se mostrem capazes de um senso social e de aproximação emocional com a comunidade, que a compreendam genuinamente para que a sintam. Só assim terão as competências para a representar, independentemente de serem doutores ou cavadores.

A estes homens será, não dado como até hoje, mas reconhecido o poder.

* Colaborador deste jornal