Por: Anabela Melão
Pedro Passos Coelho tem sido criticado pela sua ideia quixotesca (não pela intenção mas pela sua inexequibilidade) de responsabilizar criminalmente os governantes. Como ficou evidente que PPC nem sequer tem a ideia do que é a responsabilidade criminal, dispararam reparos jurídico-constitucionais com arrazoados muitas vezes incompreensível pelos leigos.
Uma notícia de hoje deu-me o mote. E já que, ao que parece, faltou às aulas ministradas na Universidade de Verão do PSD por Guilherme de Oliveira Martins, Presidente do Tribunal de Contas, e tão-pouco conhece o conceito de responsabilidade financeira, aproveito-a para lhe a exemplificar com um caso concreto.
O Tribunal de Contas, numa actual auditoria identificou várias irregularidades na gestão desenvolvida pela empresa municipal Acção PDL, uma sociedade anónima criada pela Câmara Municipal de Ponta Delgada (liderada pela líder do PSD/A, Berta Cabral) que gere investimentos nas áreas de urbanização, requalificação urbana e habitação social. Da lista das irregularidades consta que, relativamente a gestão de obras, o projecto do Parque Urbano de Ponta Delgada, orçado em 15 milhões de euros, previu a construção de um pavilhão multiusos e de um complexo de piscinas, que não foram executados mas em que o dinheiro se gastou num driving range e num club-house, para além de falhas contabilísticas, valores incorrectamente declarados e documentos em falta. Constatou-se ainda que a autarquia criou uma outra sociedade anónima, a Cidade em Acção, cujas tarefas se sobrepõem, parcialmente, às da Acção PDL. Através destas duas empresas, a autarquia contraiu, até 30 de Setembro de 2009, dívidas superiores a 20 milhões de euros, admitindo-se que sejam mais avultadas e estejam ocultas devido à ausência de informação consolidada. E o anexo ao balanço e à demonstração de resultados não contém informação relativa aos "compromissos financeiros futuros" firmados entre 2009 e 2010 e que ascendem a 37 milhões de euros. Apesar disto, os responsáveis afirmam que estão satisfeitos, que foi mínimo o número de irregularidades detectadas e que não implicam responsabilidade pessoal de nenhum dos administradores.
Berta Cabral terá também faltado às aulas, o que se compreende já que era destinada a jovens. Já compreendo menos bem que a Passos Coelho nem sequer tenham mostrado os power-point. Quando, dentro do mesmo partido, temos opiniões tão dispares fica óbvio que uns conhecem as lacunas do sistema que eles próprios criaram e que outros, aqui incluindo o seu líder nacional, venham, com manobras de populismo, esgrimir com um ordenamento jurídico consolidado apenas no seu imaginário.
Contarão com o desconhecimento do “povo”, enquanto “massa anónima de votantes” – como ouvi durante anos um dirigente do PSD dizer de viva voz – mas talvez fosse providente contarem também com o conhecimento de algum desse “povo”. É que, uma coisa é certa, ainda que não se chegue ao ponto de subscrever as palavras de Francisco Lopes que já disse que “Pelas palavras, certamente inconsequentes do Presidente do PSD, sobre a sujeição dos responsáveis da situação do país à justiça podia parecer que Cavaco Silva fosse chamado à Justiça. É difícil encontrar quem tenha mais responsabilidades.”, apoiando-se no número de anos – 15 – em que Cavaco Silva exerceu cargos políticos em Portugal, Passos Coelho pode começar já a aplicar, na prática, aquilo que tanto defende, em teoria, “propondo” a Berta Cabral que se demita de funções e que renuncie a todos os cargos políticos e que, em regime de voluntariado, comece, a suas expensas, a equacionar o tal regime com que sonha PPC, e, abrindo mais uma excepção de cariz jurídico-penal, propor a aplicação retroativa da afamada criminalização voluntariando-se às sanções que o seu líder partidário defende.
Todos tentámos explicar a PPC que a aplicação do sistema que defende esvaziaria o partido, o que ele terá entendido – senão mesmo equacionado antes de lançar a público a sua ideia – o que significa que poderá renovar o partido de alto a baixo – e provavelmente será mesmo isso que pretende. Começando já com este caso actual. Ensinaram-me as dominicanas que quem foi bafejado pelo factor sorte não a deve desperdiçar ao jogo, sob pena de receber, em contrapartida, azar. Passos Coelho teve sorte em chegar a líder dos sociais-democratas mas vai jogando e perdendo. Em primeira instância, dir-se-á que conhece mal – se for mesmo um “ovo kinder” – ou que conhece até demasiado bem – se for um bom aluno do mestre – o seu partido. Em última instância, o tal “povo” que nada percebe e tudo engole vai escasseando ante o império da informação e do acesso ao conhecimento. E é esse mesmo “povo” que vai esperar sentadinho pela sua atitude concreta no caso em análise. E , a partir dela, concluir pela categoria em que o decidirá inserir: um “ovo kinder” ou pupilo de Maquiavel?!