Podia começar por falar do simples facto de, abrindo novos caminhos à História e aos precursores do feminismo, contando com o voto de mais de 55 milhões de brasileiros (56%), Dilma Vana Rousseff, aos 62 anos, se tornar a primeira mulher presidente. Nem os USA chegaram ainda tão longe e nem o tentaram tãopouco. É um facto político marcante. Mas prefiro falar do estilo de política que se faz no Brasil. Em certa medida, sabe-se que é uma cópia do marketing político americano “com as devidas adaptações”. Ouvimos Dilma, com um discurso passional, emocional, apelando ao coração dos votantes e prometendo-lhes algo mais ou menos próximo da “felicidade”.
E não posso deixar de constatar que os nossos políticos, espelhando o que nos vai na alma, fazem os possíveis por parecer tristes, desesperançados, nostálgicos. Até aí, compreende-se. E, naturalmente, não fazem grande esforço. (O riso pode prejudicar, e muito, uma carreira em Portugal.) Não arriscam sair do perfil cinzento, apagado, acabrunhado, macambúzio, porque foi sempre esse o retrato da classe dirigente no nosso País. Deve até ser a primeira coisa que os mentores ensinam aos pupilos: o dress-code e – quando muito se a situação o exigir – um sorriso, mas leve, esboçado – rir, nunca. Pode até ser a morte do artista. Com a mania da perseguição muitos dirão que parece que se ri deles e nem põem a hipótese de um riso ser mesmo apenas isso: rir com e não rir de.
Ora, depois do discurso de Cavaco Silva, sobre o qual já se disse tudo, entristeceu-me aquela parte em que diz que não dá ilusões aos portugueses – numa alusão clara a Manuel Alegre, já que dar sonhos é coisa de poeta e não de economista. Nesse tal perfil, Cavaco bate os pontos. Aquele não era um discurso para dar vida a um povo, era um elogio fúnebre. E aquele ênfase no “eu” e no “eu fiz”, dá mesmo a ideia de alguém que tenta, mesmo que à força, justificar o seu papel e dar-lhe a maior importância possível.
Cada vez se percebe mais que o grande defeito apontado a Manuel Alegre, para além de ser poeta, é ser um homem comum. Que se entristece e preocupa. Mas que nos transmite força, espírito de combate e resistência, e esperança. E que ri como “normal” que é.
E é, sobretudo, o facto de este ser um político que arrisca a normalidade sem se dar ares nem se ajustar ao perfil, que tem inquietudes, que tem génio, que tem temperamento, que incomoda imenso determinadas hostes de políticos profissionais que, não tendo a menor graça por qualidade nata, ou tendo-a arrumaram-na a bem das suas carreiras, se vêm agora confrontados com um novo paradigma de liderança que pode deitar por terra anos de cinzentismo e de ares carrancudos e de maus modos ou de modos comedidos, consoante os casos.
Num país em que tudo puxa esta tendência nacional para a lamúria e desgraça, a antevisão do que podem ser os próximos cinco anos com Cavaco Silva na Presidência arranca-me da alma um suspiro que mais parece um fado – e fado não é algo para se ouvir a qualquer hora, nem em qualquer momento.
Aquela “conversa em família” de Cavaco Silva mostrou um homem ainda mais cinzento que o costume, ainda mais sério que o costume, ainda mais enfadonho que o costume, na convicção de que os portugueses – dados à nostalgia e uma certa forma de melancolia – num momento como este, ainda apreciariam melhor aquelas (in)qualidades.
Por mim falo, ter como Presidente alguém que me coloca perante um cenário de terror – e até de temor: onde estaríamos sem os seus avisos? – é a última coisa que ver concretizar-se.
Já que, como povo, não estaremos ainda preparados nem para ter uma mulher na Presidência e muito menos alguém que ri, faz humor, e se emociona, façam-me um favor: mostrem que, ao menos, estamos preparados para ter um homem que é igual a todos nós. Sem se dar ares e estando-se nas tintas para o dito perfil. Que ria e que chore. Um Presidente-estátua – ainda ontem Marcelo Rebelo de Sousa dizia que Cavaco era a única variante previsível na conjuntura nacional (os homens “normais” são previsíveis? – consta que não) – é que não. Que dessas está o País cheio e que se saiba são feitas de pedra e não têm sítio reservado para o bater do coração. Estátuas é que não! Façam-me o favor!