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terça-feira, 7 de setembro de 2010

A candidatura de Francisco Lopes

Por: António Filipe (*)

A propósito da decisão anunciada pelo Comité Central do PCP de indicar um dos seus mais destacados dirigentes, Francisco Lopes, como candidato à Presidência da República, temos assistido a um desfile de ideias feitas visando desvalorizar ou até denegrir a candidatura e quem a protagoniza que, tendo como denominador comum o anti-comunismo mais ou menos primário, reflectem a séria incomodidade gerada por esta candidatura, à direita, mas também junto de uma certa esquerda.

A mais primária e preconceituosa dessas ideias está relacionada com a origem social do candidato, ou mais propriamente, com o facto de não possuir estudos superiores, como se a licenciatura fosse condição indispensável para o exercício de cargos públicos, e como se não existissem exemplos mais que bastantes de cidadãos que, não tendo estudos superiores, deram provas de capacidade e aptidão para o exercício das mais elevadas responsabilidades. Lula da Silva também não poderia ser Presidente porque era operário. Não só foi eleito, como foi reeleito, como é o melhor Presidente que o Brasil alguma vez teve em toda a sua História. Ao contrário, Portugal tem sido (des)governado por “doutores” e “engenheiros” com os resultados que se conhecem.

Uma outra ideia feita resulta da escolha partidária do candidato, o que supostamente o desvalorizaria. Seria um homem do aparelho, escolhido pelo Comité Central, logo, menos candidato que os outros. Para além de recusar liminarmente a ideia de que alguém que é dirigente partidário fica limitado nos seus direitos cívicos por esse facto, importa recordar algumas evidências. A primeira é que, apoiando candidatos seus ou apoiando candidatos alheios, nunca nenhum partido deixou de tomar posição nas eleições presidenciais. A segunda é que, se falamos de “homens do aparelho”, não sei o que dizer da candidatura de Cavaco Silva que foi durante 10 anos líder do PSD; de Francisco Louçã que foi candidato e líder do BE; de Jorge Sampaio que foi Secretário-geral do PS; de Mário Soares que foi o que se sabe no PS; ou mesmo de Manuel Alegre, que foi reiteradamente cabeça de lista do PS por Coimbra e que exerceu por muitos anos o cargo de Vice-Presidente da AR por indicação do seu Partido. Ou seja, ser do aparelho só é mau, se o aparelho for o do PCP.

Quanto à escolha pelo Comité Central, não vejo onde está a admiração. O Comité Central do PCP decidiu em devido tempo apresentar a candidatura de um dos seus membros e tomou pública essa decisão. Posteriormente debateu e decidiu quem deveria ser esse candidato e publicitou-o. Prefiro mil vezes que tenha sido assim, do que se tivesse sido o Secretário-geral a anunciar publicamente o apoio a um candidato e a impô-lo ao Comité Central, gerando a perante a perplexidade e a incomodidade dos seus membros. Como diria alguém, vocês sabem do que estou a falar.

A ideia mais batida, difundida e rebarbativamente repetida, é porém a da suposta ortodoxia comunista do candidato. Francisco Lopes será da “linha dura”, apenas conhecido de meia dúzia de militantes, desconhecido da “opinião pública” e portanto, má opção para o Partido. Como comunista que sou, e sem vergonha (para não deixar de citar um título do Público) fico comovido com tanta preocupação dos adversários do PCP quanto à sua melhor escolha. Apetece-me perguntar se os que criticam a suposta dureza de Francisco Lopes estariam na disposição de votar num candidato mais mole ou gelatinoso que tivesse sido proposto pelo PCP. Apetece-me perguntar ainda por que carga de água, sendo o candidato tão mau para o PCP, causa tanta preocupação entre os seus adversários confessos. O que seria natural é que festejassem a candidatura e que a aplaudissem, ainda que cinicamente. Mas não o fazem e sabem muito bem porquê.

Por outro lado, se Francisco Lopes, apesar de ser deputado eleito como cabeça-de-lista da CDU pelo grande círculo eleitoral que é Setúbal e de assumir desde há muitos anos elevadas responsabilidades na direcção do PCP, é assim tão desconhecido da opinião pública e da comunicação social, onde é que a mesma comunicação social e os “opinion makers” que o conhecem tão mal vão buscar tantas informações fidedignas quanto aos seus supostos deméritos?

O que acontece é que os rótulos de “ortodoxo”, de “homem do aparelho” ou a referência a um discurso supostamente repetitivo, com que muitos comunistas têm sido invariavelmente rotulados ao longo dos tempos como preço a pagar pela coerência das suas convicções, não é mais do que um velho truque destinado a evitar uma discussão séria sobre as propostas, as ideias e o projecto de sociedade por que lutam os comunistas. Arrumar as propostas dos comunistas a um canto com o argumento de que se trata da repetição da “cassette” é a mais esfarrapada desculpa para não ter de discutir as ideias que os comunistas realmente defendem e para não ter de admitir que é no PCP, nas suas candidaturas e nas suas propostas, que os trabalhadores e as camadas mais desfavorecidas da população encontram quem luta pelos seus direitos e quem defende uma sociedade mais justa e livre da exploração.

Quando uma certa esquerda se limita a atacar Francisco Lopes com base em ideias feitas e em preconceitos anti-comunistas, com uma hostilidade que em certos casos nada deve à direita mais trauliteira, não pretende mais do que fugir como gato de água fria a ter de confrontar, em concreto, a coerência de um candidato comunista que defende intransigentemente os direitos dos trabalhadores e do povo e que transporta para as eleições presidenciais o protesto e a luta contra as políticas neo-liberais da direita e do PS, com o manobrismo, a ambiguidade e os equívocos que rodeiam visivelmente outras candidaturas.

Depois vem o espectro da divisão. A candidatura de Francisco Lopes dividiria a esquerda e assim facilitaria a vitória de Cavaco Silva. Tal ideia, é preciso dizê-lo, não vem da direita, que assim não pensa. Não vem de Manuel Alegre que, inteligentemente, saudou a candidatura do PCP e afirmou que os votos do PCP nunca faltaram à esquerda nos momentos decisivos. Mas vem de alguns destacados bloquistas que procuram justificar o seu apoio ao candidato do PS com base numa suposta divisão do eleitorado que a candidatura comunista provocaria.

Basta saber fazer contas de somar para perceber que se o objectivo primeiro destas eleições, para quem é de esquerda, é evitar a vitória de Cavaco Silva à primeira volta, é fundamental mobilizar o maior número de votos possível em qualquer candidato que não seja Cavaco Silva. Se Francisco Lopes divide hoje o eleitorado, o que dizer há cinco anos da candidatura de Louçã, contra Soares, Alegre e Jerónimo de Sousa? Como é óbvio, a candidatura de Francisco Lopes não só não divide como acrescenta votos à esquerda.

A incomodidade de alguns destacados bloquistas nestas eleições presidenciais é mais que evidente. Apoiaram prematuramente o candidato do PS e agora têm de lidar com isso. Vão ter de fazer um discurso contra o Governo PS na Assembleia da República e compartilhar o palco das presidenciais com dirigentes do PS e membros do Governo. Vão dizer que o PS não gosta do seu próprio candidato, mas vão ter o PS e porventura o próprio candidato (que nunca renegou o seu Partido apesar de algumas divergências que assumiu) a desmenti-los. O BE tomou a decisão que tomou e que é perfeitamente legítima. Agora porém, não venham alguns conhecidos bloquistas disfarçar a sua incomodidade com ataques ao PCP. Os apoiantes de Francisco Lopes sabem o que defende o seu candidato, sabem o que ele pensa da política do actual Governo e sabem que o seu voto permite contribuir para a derrota de Cavaco Silva sem se confundir ou identificar com políticas contrárias aos interesses dos trabalhadores e do povo português. Nem todos podem dizer o mesmo, mas cada um é responsável pelas suas opções.

Finalmente, lendo o que por aí se escreve, pode alguém ficar com a ideia que o PCP ficaria incomodado caso houvesse uma segunda volta, porque nessa altura poderia ter de votar em outro candidato contra Cavaco Silva. Quem assim escreve parece não conhecer o PCP e a coerência das suas posições em matéria de eleições presidenciais. O PCP apresentou sempre um candidato próprio e, de acordo com cada situação concreta, tomou a posição mais acertada para derrotar os candidatos da direita. Em 1980 foi decisivo na derrota de Soares Carneiro, em 1986 foi decisivo para derrotar Freitas do Amaral e em 1996 foi decisivo para derrotar Cavaco Silva. Para isso, apelou ao voto em Ramalho Eanes, em Mário Soares e em Jorge Sampaio. Nenhum deles era comunista, mas os eleitores comunistas votaram com a consciência de quem quer o melhor para o povo e para o país.

Só quem não conhece os comunistas portugueses pode duvidar do seu empenhamento em derrotar Cavaco Silva e do seu papel decisivo para que essa derrota seja possível. A direita percebe isso e ataca Francisco Lopes com base em preconceitos anti-comunistas e de classe. Mas há também alguma esquerda que, enredada nas suas próprias contradições, procura por todos os meios desvalorizar o papel ímpar que a candidatura de Francisco Lopes vai assumir nestas eleições presidenciais na denúncia das políticas neo-liberais e na afirmação coerente dos valores da esquerda, sem equívocos e sem cedências tácticas, numa palavra, merecedora de confiança.

(*) Deputado do PCP e colaborador deste jornal

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