Por: Capoula Santos *
Na qualidade de Vice-Presidente da Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana (EUROLAT), uma organização parlamentar que integra 75 deputados europeus e outros tantos da américa latina e caraíbas, acabo de participar na sua segunda reunião deste ano que teve lugar no Equador.
O evento decorreu na primeira semana deste mês, em Cuenca, uma cidade situada na cordilheira dos Andes, de traça arquitectónica vincadamente espanhola, cujo centro histórico, tal como Évora, está classificado pela UNESCO como Património da Humanidade. A cidade está localizada quase sobre a linha do equador mas, devido aos 2600 metros de altitude, a temperatura mínima diurna desce até aos 4 graus centígrados.
A sessão inaugural teve lugar numa das duas catedrais da cidade, algo aparentemente impensável entre nós e que me fez lembrar os tempos medievais, onde as cortes e outros eventos sociais tinham lugar nas igrejas.
A EUROLAT é uma parceria que visa promover o diálogo político entre a Europa e América Latina, espaço geopolítico que representa em conjunto mais de mil milhões de pessoas. A América do Sul constitui assim para a Europa um bom contra-peso económico, político e diplomático face às outras zonas do globo onde emergem novas potências.
Não deixa de ser também curioso constatar que, nos anos mais recentes, para além da democracia se ter generalizado a quase toda a América Latina (Cuba continua a ser uma infeliz excepção), a esquerda, com todas as suas nuances, tem alastrado como mancha de óleo, desde o Brasil de Lula até ao populismo de Chavez na Venezuela ou de Evo Morales na Bolívia e à social-democracia de Alan Garcia no Perú, passando pelo peronismo argentino, a esquerda do convertido ex-guerrilheiro Tupamaro, Mujica, no Uruguai, ou a esquerda pragmática de Rafael Corrêa no Equador.
Este movimento politico-eleitoral de esquerda na América Latina contrasta com o movimento pendular oposto na Europa, onde a esquerda socialista e social-democrata tem vindo a perder força em favor de diversas fórmulas de conservadorismo, bem ilustradas nas recentes eleições britânicas e holandesas.
Curiosas, ainda, as prioridades das agendas políticas dos dois continentes. A crise económica e financeira, na Europa, e as desigualdades sociais, a insegurança e o narcotráfico, na América Latina. Ou seja, enquanto que na Europa as até agora prósperas classes médias, sentindo-se penalizadas pela crise, se assustam e refugiam na direita, na latino américa a passagem de um grande numero de pobres para o primeiro patamar do que, aquela escala, se pode chamar classe média, repercute-se no crescimento da esquerda que lhe deu essa oportunidade de ascensão social.
Será que os “laboratórios políticos” europeu e sul americano desta primeira década do século XXI permitem concluir que estamos perante uma nova lei da politica segundo a qual crise e redução de poder de compra geram soluções politicas de direita e o acesso a níveis mais elevados de prosperidade geram soluções de esquerda?
Eis as conclusões a que cheguei a 2600 metros de altitude que, espero, não sejam apenas uma consequência da rarefacção de oxigénio.
* Deputado socialista no Parlamento Europeu e colaborador deste jornal