Estive lá, no Campus de Justiça. E decidi que, apesar de me silenciar doravante sobre o processo, os meus leitores do Jornal de Alpiarça e do Notícias do Ribatejo merecem-me mais uma palavra. Nada direi mais no facebook ou no meu blog. Estas palavras são apenas para vocês, meus amigos. E dirijo-me com a voz embargada imaginando que o faço perante o túmulo do meu avô José Melão, em Vale de Cavalos. Se pudesse estaria hoje deixando que as lágrimas escorressem em cima da pedra. Porque não posso derramo-as nos vossos abraços.
Existem processos que mexem com a nossa estrutura humana. Que corroem o coração e enegrecem a alma. Este é O Processo. Não vou deixar passar em branco o fim do processo Casa Pia. E digo que é o fim, não por desconhecer os anos que se seguem de recursos, mas porque para as vitimas e para Catalina Pestana – a mulher que trouxe a público o que outros tão convenientemente calaram durante décadas – acabou tudo a 3 de Setembro. Para eles - e é com eles que estou solidária - acabou. Importava-lhes a condenação, pela confirmação da veracidade das suas denúncias, cansados de lhes chamarem mentirosos e vendidos.
Durante os últimos anos, uma parte da opinião pública indignou-se com a cabala armada contra os arguidos, a outra parte indignou-se com a dor das vitimas. Dizem agora que se fez a justiça que a opinião pública desejava. O que parece que é, agora, uma espécie de crime novo a tipificar numa próxima alteração ao Código Penal. Talvez pretendam fazer com o colectivo de juízes, a começar por Ana Peres, o que fizeram a Rui Teixeira, o primeiro juiz a lidar com o processo. Convenientemente, retirado dele e votado ao exílio fora de Lisboa (alegadamente por rotatividade, pois….). Tanto o podiam ter recambiado para Torres Vedras como o poderiam ter nomeado Ministro da Justiça (ou não…).
Questionam os crimes provados, os factos julgados e as penas aplicadas.
Todos sabemos, basta vermos o AXN e a FOX CRIME, que questões formais podem levar à absolvição de culpados. E foi o que aconteceu com aquela senhora que fazia o papel de anfitriã das orgias que vitimavam as crianças na casa de Elvas. Todos sabemos também que outros crimes foram cometidos mas que as vitimas eram já adolescentes. Todos sabemos que o julgamento foi sucessivamente adiado. Todos sabemos que levou a alterações ao Código Penal. Todos sabemos que os condenados ficaram à solta, pavoneando-se como estrelas de cinema (drama e tragédia, e não comédia, como Carlos Cruz quis fazer parecer na conferência de imprensa), com os advogados a tiracolo (furiosos de não contarem com esta absolvição no seu currículo para se tornarem ainda mais caros do que já são). Todos sabemos que as vítimas se remeteram ao silêncio, após curtas palavras aos media (a dor – a vergonha foi enterrada com a sentença - não permite folclores).
Dir-me-ão que o julgamento demorou seis longos anos.
Mas vejo que os arguidos continuaram as suas vidas.
E vejo que as vitimas dificilmente podem ter vidas e que o máximo a que aspiram é a superação dos traumas, das depressões, dos esgotamentos, e a reintegração social. E crêem alguns que as lágrimas que deitam são de crocodilo, que lhes pagaram para dizer isto ou aquilo, que são cúmplices e actores de farsa. Parece que o seu sofrimento é de remorso de tanto mentirem e não de tanta violência e mágoa. Estive lá e não acredito.
Confesso que tenho uma tendência por defender e me solidarizar com os fracos e oprimidos. Mas estive lá. E vi-os envergonhados, prostrados, cabisbaixos. Percebiam-se os tremores e os arrepios e as lágrimas. Não há forma de me convencerem de que tudo se resumia a teatro, nem a crueldade dos factos relatados na parte da manhã do dia 3 me deixaram dúvidas.
Insisto em subscrever o que Ana Peres disse quanto à displicência da Casa Pia, que via e não dizia, que não via porque não queria ver, que fingia que não via. Estavam-lhe entregues estas crianças à sua guarda. Qualquer mãe ou pai que vê os filhos sair, em carros de adultos, para “festas” de adultos, estranhará e indagará e dirá que não. À Casa Pia, que substituía aqui a figura paternal, exigia-se o mesmo.
Por isso, são apenas as vítimas que me merecem uma palavra. Fomos nós que os deixámos à mercê de uma casa que nada tinha de lar. Fomos nós que ouvíamos boatos e não averiguámos a sua veracidade. Fomos nós que demorámos 6 anos a reconhecer a sua razão.
E a única palavra que me lembro é: “Desculpem”.
1 comentário:
A escrita também é uma arma. Embora não conhecendo pessoalmente, esta Senhora, a aprecio muito pela frontalidade dos seus posts'.
Tambem só tenho uma palavra que me lembre "OBRIGADO"
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