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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Só te Faltam as Orelhas

Por: Pedro Miguel Gaspar
A minha cunhada deu uma rena de peluche ao meu filho. Olhei para a criatura. A de peluche, claro. Perguntei com ânsia de pai que ouve os rascunhos das primeiras frases de um filho. “Olha o que a tia te deu! O que é?”. Olhos grandes e brilhantes, respondeu. “Usso, Papá!” Um Urso. Curioso. Supostamente era uma Rena. Voltei a olhar. Parecia um cão.
Nada como tirar isto a limpo. Leio a etiqueta para determinar a espécie.
O meu filho já brincava com outro boneco qualquer. Está na idade que eu apadrinho como a idade dos 15 segundos. Máximo de tempo de atenção para cada coisa diferente (ou mesmo para estar parado!).
Made in China. Esta parte assume-se logo. Um destes dias vai deixar de aparecer a referência ao Pais de Fabrico. Sendo sempre o mesmo para quê gastar tinta. E aqui começa a análise. Versatilidade, engenho e produção.
Para memória presente e futura. Não quero ser Chinês, não sou Apóstolo do Capitalismo Selvagem e estou muito bem no meu Pais e a minha cultura é a minha casa. Estes factos, no entanto, não me castram a admiração pela arte e engenho.
Olhei a criatura com atenção. Vários ângulos e sobrolhos depois, continuava em águas turvas. O bicho, de facto, era parecido com uma Rena, um Urso e um Cão. Só as orelhas lhe davam o legado do bicho Rena.
E aqui estava a arte e engenho. Fabricado na China, numa fúria exportadora que permite a este pais um crescimento da economia a 13% (!) ao ano, não existem cá veleidades perfeccionistas e alterações de linhas de montagem só porque uns querem uma Rena na Noruega, outros um Urso no Canada ou um Cão na Alemanha. Nós cá compramos qualquer tralha, por isso não conta. O que conta é que existe alguém com arte e engenho de fabricar o mesmo boneco e que, trocando apenas as orelhas na parte final da linha de montagem, triplica a produção.
Prevalecerá a produção massiva ou a produção personalizada? Penso que a segunda. Ou melhor, como Português defenderei acerrimamente a segunda. Mas teremos de usar as mesmas armas. Arte e engenho.
Na minha terra diz-se “ Para parvo só lhe faltam as orelhas”. Nunca percebi muito bem esta frase. Mas entendo perfeitamente o estado de parvoíce a que seremos votados (e já vamos sendo) de ver o mundo passar enquanto a nossa Arte e Engenho continua conservada em teias de aranha no baú do Velho do Restelo.


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