Vive sozinha, na sua pequena casa, pois seus familiares próximos, estão todos lá para a capital. Já muito raramente os vê, já muito raras são as notícias que deles tem… passaram três anos desde a última visita de sua filha. Foi quando conheceu o seu bisneto mais velho, pois aos outros, mais novos, nunca teve a oportunidade de lhes poder dar um beijo. De seu filho, mata as enormes saudades, beijando todos os dias, antes de deitar e ao levantar, uma fotografia tirada no dia do seu casamento, colocada perto de uma jarra de flores, que matem sempre viçosas.
Guilhermina, vive de uma pequena reforma, pois trabalhou durante largos anos, como empregada doméstica de uma família de proprietários agricultores, lá da sua terra. Também tem um complemento de subsídio de viuvez, desde a morte do seu Manuel, já lá vão dez anos.
Manuel e Guilhermina, trabalharam arduamente toda a vida, para dar um futuro melhor a seus dois filhos. Fizeram-no com muitos sacrifícios, mas com muito gosto e orgulho. As suas poupanças, foram sempre empregues na educação, no apoio e ajuda a seus filhos, que nunca regatearam, sem que nunca a nenhuma dos dois ficasse qualquer sensação ou sentimento, que não fosse o do prazer de melhorar as condições de vida daqueles, que tanto amavam.
Com a morte de Manuel, fizeram-se as partilhas de alguns bens. Para Guilhermina ficou apenas a casa e algum dinheiro da poupança. Para os dois filhos, duas fazendas, que logo venderam. Joaquim, o filho mais velho de Guilhermina, é contabilista de profissão e foi por essa altura que pela última vez visitou a sua aldeia e sua mãe. Tem uma vida aparentemente confortável, pois vive em casa própria, tem um automóvel alemão da marca BMW e seus filhos estudaram em colégios particulares. Mas agora, que já tem a sua vida, os seus problemas próprios e a sua própria família, não sente grande motivação para vir à sua aldeia e faz-lhe impressão ver as condições de precariedade de vida, em que sua mãe vive. Prefere o convívio com a família de sua mulher, lisboetas da classe média, que o receberam sempre com simpatia. Maria Guilhermina, a filha mais nova era mais chegada à mãe. Porém, também agora tem a sua vida, lá por Lisboa e progressivamente também deixou de visitar a aldeia.
Guilhermina, não se sente abandonada, nunca quis ser um fardo para seus filhos, sente gosto em saber que estão bem. Tem o conforto da vizinhança, pois na aldeia ainda há esse sentido de solidariedade e quando há um ano teve de ser hospitalizada em Santarém, fez questão de pedir para avisarem os filhos de que não valia a pena virem vê-la, porque estava bem acompanhada e a sua doença não era muito grave. Guilhermina teve na altura uma pneumonia e passou três semanas nesse hospital. Voltou para casa fraca, mas decidida a encarar a sua sina, com a maior das vontades.
Sentada em frente da sua lareira, que acende diariamente no Inverno, com lenha que vai juntar e transportar a pé, oferecida por um descendente dos seus antigos patrões, ela pensa em seus filhos e netos.
Não tem televisão e a sua vista também já não lhe permitia o uso de tal privilégio.
Recorda os momentos bons com eles passados, recorda os tempos em que sentia os seus cuidados e as suas atenções. Recorda que a levavam a passear e ao seu Manel, à praia da Nazaré, a Fátima e por duas vezes a Lisboa. Ela não se sente só, porque tem bem vivas as suas recordações, apenas longe e angustiada por não saber aproveitar os tempos. Os sentimentos perturbam-na, porque os sente com intensidade, porque sente a falta da companhia de o Manuel e o conforto de poder ver e tocar em seus filhos. Ela até se sente uma privilegiada, uma mulher cheia de sorte, como afirma com frequência, porque pode continuar a viver na sua casinha.
Hoje uma vizinha disse-lhe que o pão vai aumentar, ontem na farmácia disseram-lhe que alguns dos remédios que precisa, já não são comparticipados e terá de os pagar. Teve de escolher de entre os que estão na receita do seu medico de família, aqueles para os quais lhe restava dinheiro e terá de optar por comer um pouco menos de pão. Como não houve as notícias, nem lê o jornal, não se revolta, quando se denunciam os ordenados escandalosos dos gestores públicos, nem a exorbitância do montante da nossa divida externa, nem com os casos do Freeport, com a suspeita de corrupção do 1º Ministro, nem com os favores oferecidos à Mota Engil. Tudo isso lhe passa ao lado, ela apenas quer continuar a viver na sua casinha da aldeia e gostaria de voltar a ver seus netos e conhecer seus netos. É uma mulher interessada, pois pergunta sempre por tudo e mais alguma coisa, a quem encontra no mercado semanal da sua terra. Quando lhe perguntam em quem vota, ela afirma decididamente e com o coração nas mãos…no mesmo que o meu Joaquim…ponho cuidadosamente a cruzinha á frente daquele que tem uma “mãozinha” no desenho do voto. Ela ouviu uma vez essa declaração de voto de seu filho e nunca mais hesitou, nunca mais deixou de seguir aquela indicação tão objectiva do seu filho do coração.
Guilhermina é uma mulher portuguesa, sem consolo e sem ambições, habituada à pobreza, á poupança e ao sacrifício, sente apenas falta do carinho, porque é velha e está sozinha.
Por: Monteiro Andrade
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