Por: Anabela Melão
Disse que em Política são necessárias duas qualidades: sinceridade e sagacidade. Sinceridade de político, é manter a palavra empenhada, custe o que custar. E a sagacidade é nunca empenhar a palavra, custe o que custar. Foi o Duque d'Avila. Gente de boa casta!
Um plebeu que chegou a duque, que foi "até onde é possível ir num país monárquico».
Foi «egrégio estadista» e emprestou à vida pública a «força da sua vontade», o «constante amor ao trabalho», o «formosíssimo talento» e a «indiscutível probidade». Características raras!
Foi «positivamente», um «mantenedor social», uma «força de coesão», de «união entre o passado e o presente», um «conservador enérgico», um «conservador extremo», um «lutador indomável» e um «orador eloquentíssimo». Raro, muito raro!
Podia até ser irascível, ter uma certa falta de prudência e circunspecção, mas tudo se lhe perdoa hoje, feita a História, por causa do «afincado amor ao estudo e ao trabalho», o «desvelo e interesse pelo serviço do Estado» e a «sólida probidade», compondo o retrato de um «orador fluente e bom argumentador, mais veemente e nervoso na réplica do que na invectiva». Uma raridade!
Na política, em geral, e nas finanças, em particular, «tinha opiniões suas, ideias próprias e orientação pessoal» — e «defendia-as numa exposição tão nítida e emparedava-as em tão sólidas deduções que para o vencer era preciso fugir da discussão para a agressão». Com Silva Carvalho e Fontes Pereira de Melo, Ávila completa a troika dos maiores especialistas em finanças públicas do século XIX português. A França tivera Turgot e Quesnay; Portugal tinha António José de Ávila. Mente e qualidade de trabalho raros!
Uma vida marcada pelo «zelo», pela «insaciável avidez de investigar, de saber, de aperfeiçoar-se», uma «fronte espaçosa, gesto sobranceiro, olhar impávido, palavra fácil e incisiva, período seco, nervoso e cortante», ao serviço do «rigor lógico», da «coerência nas deduções», da «habilidade prática», da «ciência dos factos», de uma «clareza metódica e implacável». Gente desta casta é rara!
Diz-se que tinha a «inestimável virtude política» de, no calor de uma discussão, «sacrificar até a própria conveniência à necessidade de dizer o que sente». Qualidade rara!
O segredo de Ávila foi, o que deveria ser o de todos os que sobem na vida e na consideração pública a pulso: estudo, trabalho e dedicação. Todos lhe reconheciam a tenacidade, a pontualidade e o carácter «consciencioso» que punha em qualquer tarefa. Coisas de gente rara!
Tudo isto aliado a uma sua outra faceta: a do diplomata paciente, hábil negociador de bastidores, com que firmou créditos sempre que ocupou a pasta ministerial dos Negócios Estrangeiros.
A profissão de fé que fez no parlamento em 1834 acompanhou-o durante toda a vida: «Tenho pura a consciência, e só segundo ela votarei; não me animam paixões, nem de amizade nem de ódio, porque dentro desta sala, ponho de parte todas as personalidades e só me lembro do meu dever; só tenho em vista que sou deputado na nação portuguesa" - terá o País acabado com esta casta?
Muitos disseram que «o Sr. Marquês de Bolama é o tartufo que afivela todas as máscaras, é o catavento que volta a todas as direcções, é o barro que recebe todas as formas», ou que era o homem «de todas as situações, de todos os princípios, de todas as ideias, de todos os partidos [...] capaz de estar hoje em Sião e amanhã em Babilónia». Pouco lhe importavam tais criticas, os tempos não eram já propícios a intransigências sectárias, e impunham a adopção de um modus vivendi tolerante, cujo segredo era convidar todos e com todos colaborar, sem inquirir donde vinham. Ele «era de todos os grupos e não era de nenhum»: nele não existiam «incompatibilidades políticas», na medida em que também não existiam «compromissos» duráveis. Tanto se prestava a ser governo como a ser oposição, sustentáculo de governos alheios ou oposição à oposição.
Ávila era incontornável e, por isso, indispensável. Ao longo de décadas, Ávila foi a prova viva de que, em política, se morre e ressuscita tantas vezes quantas as que o talento de cada um permite. Assim, a alma seja grande! E se pertença a esta rara casta! É um exemplo quase que remoto, mas serve para nos recordar que acima do que cada um gostaria de fazer está o que cada um deve fazer! Que pena que haja poucos que lhes sigam os passos! Recorde-se a História. Soubéssemos ser "todos por um". Esse "um" é PORTUGAL!
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