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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

MÁRIO SOARES – UM NATAL HUMANISTA

“Entrámos na época natalícia. Portugal parou, como quase por toda a parte, na Europa. Os Parlamentos, os Governos e os partidos suspendem os seus trabalhos e a política - bem como a economia - abre, normalmente, um parêntesis nas suas actividades. A comunicação social mudou os dias da publicação dos semanários - calendário obriga - e as rádios e as televisões substituem os seus programas favoritos - o comentário, a intriga política e as más notícias económicas e financeiras - por reportagens sobre o clima, muito duro neste começo do Inverno, que fez parar tantos aeroportos europeus, com consequências muito desagradáveis para os utentes e que, este ano, também se fizeram sentir em Portugal.

As homilias religiosas habituais, neste ano tão difícil, insistiram mais sobre as intoleráveis desigualdades sociais, que a caridade cristã, por si só, não pode sequer minorar, sem, naturalmente, esquecer a defesa dos mais pobres, dos desempregados e dos mais desfavorecidos que, nesta primeira infeliz década do século XXI, aumentaram consideravelmente. Flagelos a que a União Europeia não estava habituada.

O descontentamento e o mal-estar social manifestaram-se mais, sobretudo nas periferias dos grandes centros urbanos, com surtos inesperados de violência, que a Portugal, felizmente, ainda não chegaram. Verificaram-se, por forma crescente, movimentos a favor da solidariedade social - e ainda bem - perante o espectro da fome, que começa a atingir muita gente. Solidariedade que, neste fim de ano, se revelou com maior intensidade, dado o activismo de múltiplas organizações humanitárias, o que prova a natural coesão social do nosso povo.

Não é, seguramente, o momento oportuno para voltar a escrever sobre a crise monetária e económica que nos afecta e a toda a Europa do euro, sem excepção. Mas é tempo de reflexão, que às vezes falta, mesmo aos nossos dirigentes. Nos próximos artigos, passadas as festas, voltarei a esse tema. Será então o bom momento de fazer o balanço crítico do que foi este ano de 2010 - para a União e para Portugal -, de voltar às causas da crise global e à urgência de as remover, para podermos iniciar um novo desenvolvimento, com princípios éticos estritos e visando, principalmente, o bem-estar das pessoas e a sua dignidade.

Nesta fase natalícia, tenhamos esperança no futuro, saibamos combater o egoísmo negocista, o consumismo inútil e pensemos nos outros, sejam ou não crentes, portugueses ou imigrantes residentes em Portugal. O humanismo solidário é um caminho de progresso, de paz e de inclusão social. Por isso, deve envolver não só os nossos compatriotas como os imigrantes que vivem e trabalham na nossa terra. Fomos, durante séculos, uma terra de emigrantes, para sobreviver, e ainda hoje temos muitos portugueses a trabalhar no estrangeiro, espalhados por todos os continentes, que pensam e confiam, com razão, em Portugal e, muitas vezes, auxiliam as famílias que aqui deixaram. O povo português tem - e sempre teve - um grande amor à Pátria. Tenhamos, pois, confiança no futuro - e esperança -, porque sempre soubemos resistir e vencer as dificuldades, pelas quais tantas vezes passámos. Hoje temos elites excepcionais, em todos os domínios do conhecimento, das artes e das novas tecnologias. Temos recursos inesperados - na terra e no mar - que devemos, urgentemente, saber aproveitar. Atrás de tempo, tempo vem...”
«Transcrito do DN Opinião de 28. Dez.2010»

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