Por: Arlindo Moreira
Ao virar a página da primeira década do século XXI sinto muito sinceramente que o mundo está numa confusão extraordinariamente complexa e a precisar urgentemente de uma nova ordem mundial que venha atender os actuais e reais interesses da humanidade.
Já em 1014 d.C., o Arcebispo Wulfstan, num sermão “Sermo Lupi ad Anglos” proferido em York, expressou mais ou menos as seguintes palavras: “O mundo está numa correria desenfreada e por isso está a aproximar-se do fim”. Tais palavras levam-me a pensar que, naquela época, a humanidade poderia estar a passar por idênticos sentimentos de insegurança, de frustração e de dor que nos estão a afectar hoje. Por isso, sinto poder arriscar que no mundo contemporâneo, com todos os problemas que está a viver, existam muitos milhões de pessoas a pensarem exactamente o mesmo!
Isto legíta-me, por consequência, a perguntar se as esperanças e as angústias de cada período são decalques e simples reproduções dos tempos precedentes? Ou se, pelo contrário, estes momentos tão conturbados que estamos actualmente a viver e que se agoira venham a agravar-se ao entrarmos na segunda década do século XXI, estarão a ser diferentes dos que sucederam em épocas transactas? Se me é permitido, na minha humilde opinião, responderei que as ocorrências de hoje são muito diferentes das que foram sucedendo em épocas anteriores!
Baseio esta minha convicção no facto da sociedade actual estar a passar velozmente por transformações extraordinárias, nomeadamente políticas, culturais, sociais, económicas, financeiras e climáticas muito graves, com uma dimensão nunca vistas! Daí que sinta fundadas razões para pensar que estamos a viver um período histórico de transição deveras importante para toda a humanidade, mas que está acompanhado também de uma grande dose de incertezas, mesmo para aqueles que têm por missão pensar, delinear e conduzir os destinos dos vários países que compõem o mundo. Ou seja, parece-me, pelo menos desde há dois anos a esta parte, que ninguém sabe verdadeiramente o que irá acontecer amanhã, tantas são as incertezas! Daí eu considerar que os tipos de riscos que actualmente corremos, porque são muito reais e palpáveis, pouco terão em comum com as transformações que se foram verificando ao longo do passado.
Por exemplo, o século XX evoluiu sob o impacte da ciência, da tecnologia e do pensamento racionalista que teve origem na cultura industrial Ocidental. Tal evolução foi forjada a partir das ideias dos filósofos Iluministas, os quais rejeitavam a influência obsessiva da religião e dos dogmas irrefutáveis. Na prática, queriam substitui-los por formas mais racionais de encarar a vida, servindo-se de um preceito muito simples, mas aparentemente também muito poderoso: quanto mais capazes formos de usar a razão para entendermos o mundo e para nos entendermos a nós próprios, mais capazes seremos em moldar e controlar o futuro e a própria história. Para tanto, seria necessário que as pessoas se libertassem dos hábitos e dos preconceitos do passado, o que é sempre muito difícil.
Transportando-me para o século XXI, desde há cerca de duas décadas a esta parte que temos vindo a assistir a um intenso e confuso debate sobre uma nova filosofia económica mundial, a Globalização, mas que, verdadeiramente, o seu significado e as suas consequências nunca foram devidamente explicadas ao comum do cidadão. Talvez nem interessasse muito fazê-lo e talvez até não tenha sido muito importante não o ter feito! Quer-me parecer, no entanto, que a gravidade da questão assenta na circunstância de nunca terem sido previstas as influências negativas da mundialização da economia para os países menos bem preparados, Portugal incluído.
Percebo hoje que esta mundialização era extraordinariamente importante! Mas era realmente muito importante para os países industrial e economicamente desenvolvidos poderem realizar as suas transacções financeiras e expandir os seus negócios para mercados mais distantes e emergentes, sem terem que investir grandes quantidades de dinheiro com essas operações. Por exemplo, fazendo o jumping das suas unidades de produção, tal como aconteceu em Portugal, transferindo-as para países onde a mão-de-obra fosse mais barata, mesmo que nessas áreas geográficas o atropelo à liberdade e aos direitos humanos, incluindo a exploração infantil, estivessem na ordem do dia. Para eles, para os donos do mundo, para os donos do dinheiro, isso não interessava! O que interessava era o lucro e com isso viverem felizes! Foi por isso e só por isso, que a globalização foi desenhada, desenvolvida e implementada! Mas, o que mais me aborrece no meio de tudo isto, é saber que esta mundialização foi sendo paulatinamente levada a cabo com a conivência de todos, sem excepção, porque ficámos sentados a ver como paravam as coisas e a pensar que até poderia ser bom!
A globalização, talvez inevitável é certo, na realidade só tem servido os interesses dos países e das organizações que possuem o capital! Por isso, o poder e o destino do mundo parecem estar exclusivamente nas mãos de quem tem o dinheiro! Bastará, para tanto, ver a intromissão directa nos orçamentos e nas políticas dos estados soberanos, que estão a ser controlados e condicionados a partir exterior. Os países economicamente mais débeis não podem sequer pensar em tentarem resolver os seus próprios problemas internamente! Mais grave ainda, é o facto de que quando o tentam fazer, há sempre algo ou alguém que lhes dificulta ainda mais esta tarefa já de si tão difícil, baseando-se na informação sempre conveniente das Agências de Rating que, com as suas análises cirúrgicas, uma vez mais, só beneficiam uma direcção: quem tem o poder económico!
Infelizmente, sou obrigado a concluir que o mundo idealizado pelos filósofos do Iluminismo está cada vez mais distante e não passa já de uma miragem, se tivermos em linda de conta as barbaridades que o próprio homem comete maltratando-o descontroladamente em nome do progresso, do desenvolvimento e da mundialização da economia! Por exemplo, algumas das razões que levaram o homem a pensar que a vida se tornaria mais estável e previsível através dos progressos da ciência e da tecnologia, têm sido estes mesmos a resultarem em efeitos totalmente antagónicos.
São demonstrações práticas disso as mudanças climatéricas e os riscos associados que transportam consigo, resultado da intervenção directa do homem no meio ambiente de forma descontrolada e sem o mínimo de respeito pela natureza, mesmo existindo múltiplos compromissos internacionais devidamente firmados e aceites pela maioria dos países, como é o caso do protocolo de Quioto e múltiplos outros pós-Quioto como, mais recentemente, Cancun. Basta ver, por exemplo, o que se passou algumas semanas atrás nos concelhos de Tomar, Ferreira do Zêzere, Sertã e Vila Nova de Ourém, coisa nunca vista em Portugal nos últimos séculos. Sinais dos tempos que estão em mutação acelerada e sobre os quais devemos reflectir!
Por tudo isto, não consigo antever nem alimentar esperanças muito positivas para o nosso futuro de curto prazo, a não ser perspectivar o aumento da intolerância das pessoas para com os seus governantes e as suas políticas, o aumento da agressividade da sociedade especialmente da juventude, a revolta descontrolada com laivos anarquistas e, mais grave ainda, o agravamento do fundamentalismo motivado pelo desmoronar das tradições dos povos, incluindo a tentativa sempre presente nos planos de alguns partidos políticos em quererem acabar com as Políticas Sociais tão indispensáveis à humanização dos povos.
Haja, portanto, algum bom-senso por parte dos nossos políticos, sejam eles de que áreas políticas forem, bem como das pessoas em geral, para aproximarem os seus interesses individuais aos interesses dos seus concidadãos para a sobrevivência da humanidade!
Boas Festas para todos!
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