Francisco Sá Carneiro desempenhou um papel histórico no actual regime: reconciliou a direita portuguesa com a democracia. Esta foi uma missão para a qual estava vocacionado, por uma espécie de sentido messiânico, e em que viria a ser bem sucedido nos dois últimos anos da sua vida, desenrolados de forma vertiginosa, numa desesperada corrida contra o tempo. O facto de ter rompido com o regime anterior ao 25 de Abril após uma fracassada tentativa de levá-lo por rumos reformistas, como viria a suceder em Espanha, conferia-lhe uma legitimidade que poucos tinham na sua área política, dados os compromissos estabelecidos com a ditadura.
O combate decisivo para a implantação da democracia no alucinado Verão quente de 1975, contra a esquerda revolucionária, fora liderado por Mário Soares, com quem Sá Carneiro sempre estabeleceu uma rivalidade que nunca viria a ser superada, apesar da cordialidade pública que exibiam. Desafiado nesta espécie de confronto íntimo com Soares, o fundador do PPD/PSD sentiu ainda mais pressa em entrar na História, o que viria a suceder. Tinha qualidades para o efeito, bem reveladas na sua singular trajectória de uma década no palco da política: visão estratégica, uma inegável capacidade de comunicação e aquele atributo tão indispensável quanto indefinível que à falta de melhor certos politólogos costumam chamar carisma.
Venceu incontáveis batalhas internas até construir um partido influente, a partir de uma sólida base autárquica disputada quase câmara a câmara ao Partido Comunista. Teve razão desde o início ao defender a autonomia regional, o afastamento da tutela militar e o fim do virtual monopólio da economia pública no Portugal pós-25 de Abril. E superou o teste da governação, após duas maiorias conquistadas nas urnas, embora ninguém saiba até que ponto poderia vir a ser vítima dos próprios impulsos se o destino não o tivesse colocado na fatal rota de Camarate, faz agora precisamente 30 anos.
Não teve razão, com alguma frequência, quando deixava a emoção sobrepor-se à implacável lógica cartesiana. Foi, nomeadamente, o que sucedeu no seu desenfreado combate contra o Presidente Ramalho Eanes que lhe consumiu as energias nos últimos meses de vida. A derrota nas presidenciais de 1980, a que já não assistiu, confirmava que tinham razão aqueles que em vão procuraram dissuadi-lo de transformar o popular Chefe do Estado em adversário principal.
Foi admirado e odiado em partes iguais, o que é sina de quem nasceu para líder.
Graças a ele, a democracia portuguesa não ficou amputada.
Ficámos todos a dever-lhe isso.
Por: Pedro Correia
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