No lago, não há, seguramente, mas nas suas margens sempre os houve e pelos vistos, continua a haver. Isto, a propósito das famosas “lágrimas de crocodilo”. A expressão parece ter origem no facto do réptil, quando come uma presa, engolindo-a sem mastigar, abrir a mandíbula comprimindo a glândula lacrimal, o que faz com que verta lágrimas.
No caso do projecto de Alqueva, muita gente teve de abrir a boca e engolir muitos sapos, a tal ponto descomunais, que ainda hoje provocam muito lacrimejar. Estou a lembrar-me daqueles que diziam que o projecto ia ser um “elefante branco”, dos outros que diziam que, segundo “todos os dados científicos”, a albufeira nunca encheria por falta de pluviosidade. Por acaso só no inverno passado a precipitação caída daria para dois enchimentos. E daqueles outros, segundo os quais, o projecto só iria servir para campos de golfe, porque nenhuma actividade agrícola seria viável devido ao exorbitante preço que iria ser fixado para a água. O oceano de olival e o avanço do aproveitamento das áreas irrigadas aí estão, apenas dez anos depois, para os desmentir. E o preço da água para rega foi fixado num valor que, neste momento varia entre 2,9 e 6,2 cêntimos, por metro cúbico, muito mais baixo do que o preço praticado em Espanha, nosso principal concorrente nos produtos de regadio.
Vem tudo isto a propósito das actuais preocupações do PSD sobre o futuro do Alqueva. Preocupações louváveis, sem dúvida. Só que um pouco tardias. A não ser que já tenham esquecido a célebre visita de Cavaco Silva a Reguengos de Monsaraz, no fim dos anos oitenta. Falando das prioridades do país e lembrando aos alentejanos que o escutavam na Praça do Município fez questão de sublinhar como seria insensato avançar com o empreendimento uma vez que que, com o dinheiro de Alqueva, se fariam “x” quilómetros de auto-estradas, “y” escolas e “z” hospitais, muito mais necessários ao país.
Não me lembro de que qualquer “social-democrata” tenha então manifestado qualquer preocupação com esta certidão de óbito então ditada ao empreendimento mitico do Alentejo pelo então Primeiro-ministro.
Foi preciso vir António Guterres para que, em 1996, “com ou sem financiamento comunitário”, se dar início ao empreendimento, tendo sido concluída a peça-chave do sistema, a Barragem de Alqueva, ainda no decurso do seu mandato.
A Guterres sucedeu Barroso na chefia do governo e o Projecto parou por dois anos. Nem um único hectare de regadio foi instalado sendo a média anual então prevista, até 2025, de 4400 ha por ano.
De novo, dos “social-democratas”, nem pio.
Foi de novo necessário que os socialistas ascendessem ao poder, com José Sócrates, para que as obras fossem não só retomadas como antecipada a conclusão do projecto de regadio de 2025 para 2013, estando neste momento já executado cerca de 50%, sem que até ao momento tivesse havido qualquer falha quanto ao financiamento.
E é depois de tudo isto, ocorrido num passado ainda tão recente que só quem não tem memória não recordará, que responsáveis do PSD, incluindo ex-ministros dos governos Durão Barroso e Santana Lopes, têm o descaramento de vir publicamente chorar lágrimas de crocodilo e revelar a sua “grande preocupação” quanto ao futuro do projecto.
Legitima preocupação, sem dúvida compreensível pelas consequências eleitorais que o Alqueva já lhes causou e que não deixará de causar enquanto os alentejanos tiverem memória.
O que me causa estranheza não é que estejam com isso preocupados mas sim que tenham o despudor de vir publicamente manifestar tal preocupação.
*Eurodeputado do PS e Colaborador habitual deste jornal
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