Permiti-me vós que vos diga algo, esta semana, de um livro cuja leitura guardarei e cujas lustrais páginas hei-de revisitar com agradecida recorrência. Foi-me oferecido no decurso de uma das infelizmente fugazes correrias que de vez em quando atiro às lezírias ribatejanas.
Trata-se de Fotobiografia José Relvas 1858-1929. É do investigador e historiógrafo José Raimundo Noras e foi publicado em 2009 pela editora Imagens&Letras sob a batuta de Fernando Alberto Mendes. Atenção: falo-vos de memória.
Não tenho, de propósito, o livro à mão. É como se estivéssemos abrigados da chuva no interior aquecido de um café a falar de livros e coisas quase inúteis afins.
Esta Fotobiografia é profusamente ilustrada. Mostra o Homem maiúsculo que José Mascarenhas Relvas foi.
Não apenas o perfil barbudo que às nove da manhã de 5 de Outubro de 1910 proclamou, da varanda da CM de Lisboa, a República. Bem mais do que isso, revela-nos a estesia pragmática de um cultor das artes refinado e moroso, ilumina-nos a por assim dizer eólica estatura moral de um homem público que nunca se alapou ao calhau do Poder, aclara-nos a fineza invencível do coleccionador de artes (é ir a Alpiarça e demorar as vistas na Casa dos Patudos), pranteia-nos a tragédia da morte dos três filhos (nenhum dos quais sobreviveu aos pais). E muito mais. (Nota breve: a edição padece apenas de algumas exasperantes gralhas, as quais não logram, porém, macular a magnificência do trabalho.)
José Raimundo Noras sabe escrever. É de estilo enxuto, lavado, claro e conciso.
Sabe do que Sabe.
Aturada parcimónia reveste tudo quanto costura o texto: a incisão da legendagem, o entrecho cronológico, a tessitura epocal – e, à fímbria do pergaminho historiográfico, uma espécie de brilhozinho nos olhos ante a superna exemplaridade de um homem profundamente português.
A Golegã e Alpiarça gozam de especiais motivos de orgulho: José Relvas pertenceu-lhes de corpo, coração e alma. Também a nós pertence o dever da visita e o prazer da revisita a uma figura a todos os peitos exemplar.
E eu, que nunca fui vendilhão, não sofro pejo de vos rec0mendar o livro à guisa de prenda de Natal a mais excelente.
«O Ribatejo»
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