A Segurança Social está a fazer penhoras de contas bancárias sem qualquer notificação prévia dos contribuintes. Os juristas contactados pelo SOL consideram que este procedimento é um atropelo à lei e alertam para a possível nulidade dos processos, num momento em que as queixas sobre abusos da administração fiscal e contributiva estão a aumentar e o Provedor de Justiça recebe duas reclamações por semana.
Guida Lázaro vai engrossar a lista de queixas na Provedoria, quando entregar a sua reclamação para a semana. «Penhoraram-me 2.033 euros de uma conta bancária sem me notificarem e avisaram-me de que vão ficar com o IRS de 2010 até ao pagamento da dívida», acusa a ex-jornalista, que garante ter comprovativos dos descontos de todos os anos em que trabalhou a recibos verdes «excepto de um mês que nem a Segurança Social nem a Caixa dos Jornalistas encontram».
O caso de Guida remonta a 2007, altura em que foi notificada pela Segurança Social para «pagar uma dívida já com juros de mora» de 3.210 euros. Na altura, dirigiu-se aos serviços com os comprovativos dos pagamentos que conseguiu reunir. Como faltavam dois recibos, foi aconselhada a fazer uma reclamação e a pedir o pagamento em dez prestações do valor relativo a esses dois meses de descontos. Um dos recibos acabou por aparecer e Guida pediu a correcção do valor em dívida.
Já em 2008, Guida Lázaro recebe uma carta do director da Unidade de Gestão de Atendimento da Segurança Social, lamentando «os transtornos causados» e explicando que a informação em falta vai ser pedida à Caixa dos Jornalistas. «Pensei que estava tudo resolvido até há duas semanas ter percebido que tinha a conta penhorada».
Nulidade é possível
A actuação da Segurança Social merece críticas dos fiscalistas ouvidos pelo SOL. Tiago Caiado Guerreiro não tem dúvidas de que as penhoras têm de ser precedidas por um aviso à pessoa visada, que tem depois 30 dias para reagir à notificação. E garante que o incumprimento desta formalidade pode implicar a «nulidade insanável do processo, se prejudicar a defesa do interessado».
O advogado realça que há casos «absolutamente excepcionais» em que as penhoras podem ser feitas sem aviso. Mas esta opção tem de ser autorizada por um juiz e só é tomada perante contribuintes designados como «burlões profissionais».
O atropelo à lei nas penhoras é atribuído à massificação dos processos de cobrança coerciva. Tiago Caiado Guerreiro considera que, tal como já se verificava com a Direcção-Geral de Impostos, «a Segurança Social tornou-se extraordinariamente agressiva para obter receitas». O fiscalista lamenta que as garantias dos contribuintes e os direitos individuais tenham «ficado para trás».
Samuel Fernandes de Almeida, da sociedade de advogados Miranda, refere também que há situações específicas que podem dispensar a citação, mas entende que «não é esse o procedimento habitual». O advogado aponta para o aumento «exponencial» de erros processuais, com a automatização informática dos processos. E salienta que a própria organização interna da Segurança Social leva a incorrecções, já que o serviço de processos executivos está separado do que reúne o historial dos descontos de cada contribuinte.
Reclamações aumentam
A nível fiscal, também há queixas. Um caso relatado ao SOL mostra que os procedimentos da DGCI estão a lesar um contribuinte, impedindo-o de receber um crédito tributário relativo a pagamentos de IVA em excesso. Como as Finanças só reembolsam essa verba através de novas deduções do imposto e o contribuinte em causa já não está abrangido pelo IVA, «algumas centenas de euros» ficaram nos cofres do Estado (ler em baixo).
As queixas sobre abusos da Direcção-Geral de Impostos e da Segurança Social estão a subir. No ano passado, foram feitas 116 queixas relativas a processos de penhora da administração fiscal e da Segurança Social. E, no primeiro trimestre deste ano, já foram contabilizadas 32 queixas. A manter--se este ritmo, até ao fim de 2011, as reclamações aumentarão 10%.
Contactado pelo SOL, o Ministério do Trabalho recusou comentar as penhoras sem notificação sem conhecer os casos concretos. Mas, no caso da Caixa de Jornalistas, lembra que esta «continua a existir e é precisamente pelo facto de não estar integrada e de não ter ocorrido a transferência da informação que estas situações podem ocorrer».
http://sol.sapo.pt/inicio/Economia/Interior.aspx?content_id=16304?content_id=16304
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