Estudo internacional aponta Portugal como um dos países mais afectados
pelo aquecimento global na produção vitivinícola: até 2050, quase 80%
dos solos deixarão de ser utilizáveis para as actuais variedades de uva.
Uma conversa sobre Portugal pode ir à boleia de muitas coisas. O vinho é
uma delas. Seja tinto seja branco, do Dão, do Alentejo ou das Beiras,
por onde se pare há quase sempre uvas, videiras e vinhas a crescer. Em
2050, porém, o mapa do vinho português poderá ser bem diferente - um
estudo internacional prevê que cerca de 80% da área nacional dedicada à
produção vitivinícola se possa tornar inutilizável pelos padrões
actuais. A culpa é do aquecimento global, e que o digam os produtores da
Estremadura, do Ribatejo, do Douro, das Beiras e do Baixo Alentejo.
Estas são as regiões destacadas a vermelho num dos mapas utilizados
para ilustrar as previsões do estudo “Climate change, wine, and
conservation”. Previsões avermelhadas não costumam ser sinónimo de boas
notícias, e este é um desses casos: prevê-se que, a meio do século, o
potencial destas áreas fique reduzido mais de 50% se continuarem a ser
utilizados os métodos vitivinícolas actuais.
O cenário até consegue piorar. “Na Europa mediterrânica, incluindo
grande parte do território português, a área adequada para a produção
vitivinícola actual vai sofrer um declínio a rondar os 80%”, prevê Lee
Hannah, um dos autores do trabalho publicado na última edição da revista
“Proccedings of the National Academy of Sciences” (PNAS), dos Estados
Unidos. “O aquecimento associado às alterações climáticas está a
transformar as áreas que permitem o crescimento de uvas para produção
vinícola”, explicou ao i o investigador, ao prever que se “tornará caro produzir vinho nas regiões vinícolas actuais”.
O estudo utilizou 17 modelos climáticos e baseou-se em duas previsões
para o futuro: a pior pressupôs que, até 2050, a temperatura aumentaria
4,7oC, com a outra a estipular apenas uma subida de 2,5oC.
Estas previsões, contudo, não condenam os solos portugueses à
inutilização. “O declínio desta susceptibilidade”, explicou Lee Hannah,
apenas significa que “a uva não poderá ser cultivada com as suas
variedades e práticas actuais.” O investigador especificou que em
Portugal “o problema central é a água”, alertando ser necessário evitar
um cenário em que simplesmente “se deite água nas vinhas para resolver o
problema”.
Actualmente, e segundo o presidente da Associação Portuguesa de
Enologia (APE), as castas de uva mais utilizadas em Portugal variam
entre o aragonez, a trincadeira e o castelão (tinto), e a fernão pires
(branco). António Ventura considerou “extremamente importante” que hoje
já se plantem as variedades de casta “mais resistentes à seca” e “com
maior amplitude térmica” nas “regiões em maior risco”. A “pouca atenção”
depositada na “alteração dos hábitos agrícolas” para “responder às
alterações climáticas” é precisamente um dos problemas mais destacados
pelo estudo, a nível global. Em Portugal, porém, já são usadas técnicas
vitivinícolas para contrariar a subida gradual das temperaturas,
particularmente no Douro e no Alentejo - as regiões “mais problemáticas”
e “em maior risco” hídrico, como sublinhou António Ventura.
A carência de água da vinha através da evapotranspiração (perda de água
pelo solo e pela própria planta) foi o primeiro problema identificado
pelo dirigente. “A perda tem de ser compensada com rega artificial e no
Alentejo praticamente já não há vinha que não seja regada”, garante, ao
lembrar a crescente utilização da rega subterrânea, “em que se perde
muito menos água, em comparação com a rega gota a gota, por via aérea”,
acrescentou. Outra das técnicas utilizadas é a aplicação de
porta-enxertos, “resistentes à seca e com sistemas mais perfurantes [no
solo] para buscar água”.
As previsões do estudo põem em risco um sector que, só em 2012, rendeu
mais de 707 milhões de euros a Portugal em exportações. Os dados do
Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que o ano passado o país
não só foi auto-suficiente em vinho, como chegou a ser excedentário.
Entre 2006 e 2010, o valor médio da produção nacional vinícola rondou os
1,49 mil milhões de euros.
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