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quinta-feira, 31 de março de 2011

Não é fácil gerir um património de milhões com receitas de tostões

Quadro de: Rembrandt

Parece uma formiga a alimentar um elefante, é o que me parece a câmara de Alpiarça a alimentar um património valiosíssimo, mas que não gera receitas nem para pagar o ordenado do pessoal que faz a segurança.

"Forças de bloqueio em Alpiarça, apesar dos roubos de um Delacroix e de um Rembrandtç
Câmara descura a Casa dos Patudos
Luísa Soares de Oliveira"

«A Casa dos Patudos teria todas as condições para ser um dos melhores museus regionais do país. Todas, se o Município de Alpiarça, seu proprietário, se dispusesse a dotá-la dos meios necessários para funcionar. O que não acontece.
Na noite de 21 de Fevereiro de 1988, a Casa dos Patudos foi assaltada. Quem fez o assalto devia saber ao que ia, pois levou as duas peças mais importantes da colecção reunida por José Relvas, um riquíssimo proprietário ribatejano do início deste século, na sua casa de Alpiarça: um estudo de Delacroix para o quadro «A morte de Sardanápalo», que está no Louvre, e uma pintura de Rembrandt. Ao todo, foram roubadas, nessa altura, 63 obras, de uma colecção que possui cerca de 80.000. Mas o mercado das obras de arte roubadas não é fácil, e recentemente a polícia italiana informou a Casa dos Patudos de que tinha encontrado quatro das pinturas desaparecidas, entre as quais o quadro de Rembrandt, outro de Pieter de Hooch («A compra das Jóias»), uma «Fedra e Hipólito» do escultor Guérin e uma pintura de Miguel Ângelo Lupi. A Câmara Municipal, que, na prática, é a proprietária da Casa, chamou a si o assunto. Mas teme-se que as obras nunca cheguem a voltar para Portugal. É que a lei italiana determina um prazo para o levantamento das obras roubadas, findo o qual pode não as devolver.
Este é apenas um dos episódios -- porventura o mais grave -- da teimosia com que a actual direcção da Casa dos Patudos tem tentado implantar, contra ventos e marés, um conceito cientificamente correcto da museologia em Alpiarça. A Casa dos Patudos foi construída no início do século sob projecto do arquitecto Raul Lino e é, ela própria, uma síntese da arquitectura neo-historicista. O proprietário, José Relvas, era filho de Carlos Relvas, um dos pioneiros da fotografia em Portugal, a quem se deve a construção de um «atelier» na Golegã, um edifício único no seu género em Portugal. José Relvas, conhecido homem público do seu tempo, reuniu uma colecção de obras de arte notável, e chegou a disputar com Calouste Gulbenkian em leilões internacionais. No testamento, legou todas as propriedades (com cerca de 800 hectares), a casa e as colecções (cuja conservação deveria ser suportada pelos rendimentos das propriedades) ao município de Alpiarça, que só tomou posse da herança nos anos 50, após a morte da viúva de José Relvas.
Dois conservadores
A Casa dos Patudos abriu ao público na década de 60, sendo na época conservadora Maria de Lourdes Bártholo. Na altura, os critérios que adoptou para a exposição da colecção foram, no mínimo, polémicos: demoliram-se partes importantes do edifício, foram feitos acrescentos de gosto duvidoso, chegou-se mesmo a destruir algumas obras (como uma tapeçaria, cortada ao meio, e outras, que foram suspensas). Maria de Lourdes Bártholo saiu poucos anos depois da abertura ao público e os Patudos ficariam sem conservador até 1993, ano em que se abriu concurso e o cargo foi atribuído a José António Falcão.
José António Falcão deparou-se com uma situação caótica. Parte do edifício encontrava-se (e encontra-se) em péssimo estado de conservação, ameaçando mesmo, em certos pontos, ruir. Aliás, ainda hoje chove em algumas salas do museu, sendo bem visíveis as infiltrações nos tectos e em certas paredes. Perante a alegada impossibilidade da Câmara de Alpiarça em fazer face aos custos das obras necessárias (nomeadamente de uma nova cobertura), fez-se um plano para conseguir os financiamentos necessários. Este, que incluía a angariação de mecenas, o estabelecimento de um programa operacional (com a abertura de uma casa de chá, de uma loja e de serviços educativos), e que chegou a conseguir a promessa da SEC da participação de 50% no custo total das obras, encontra-se hoje encalhado na burocracia. É que, entretanto, a vereação mudou em fins de 93, e os seus interesses não passam manifestamente pela cultura.
Quanto ao projecto para as obras, que está orçado em 8.000 contos, foi também pedido a técnicos já com experiência em trabalhos do género -- Esteves dos Santos, João Abecassis, Jorge Moreira e a arquitecta paisagista Maria João Ferreira --, encontra-se também parado.
Outros projectos têm, porém, avançado. Assim, José António Falcão conseguiu reunir um grupo de colaboradores voluntários que, conjuntamente com o pessoal do quadro do museu e com a Associação dos Amigos, abriu há cerca de um ano um curso de restauro de têxteis -- tendo em consideração o importantíssimo núcleo de obras desta área que possui, considerando-se até que a sua colecção de tapetes de Arraiolos é a mais importante do país. O curso funciona na antiga adega da casa e é apoiado pelo Ministério do Emprego e da Segurança Social. Do mesmo modo, está a decorrer um projecto para jovens denominado projecto J.V.S. (Salvaguarda, Estudo e Valorização do Património Cultural e Ambiental da Casa-Museu dos Patudos), que visa, entre outras actividades, o acolhimento aos visitantes, a conservação e restauro das colecções e a inventariação das mesmas. Conseguiu-se também criar uma sala de exposições temporárias, onde actualmente decorre uma mostra sobre a obra de Rafael Bordalo Pinheiro (mas sem catálogo, visto que a Câmara Municipal não disponibilizou ainda as verbas para a sua impressão). Tem, no entanto, disponibilizado operários dos seus quadros para vários trabalhos pontuais de manutenção.
Para a direcção do Museu, que não foi autorizada a falar com o PÚBLICO, a prioridade continua a ser, apesar de tudo, a conservação do espólio da casa. Que é excepcional: além do importante núcleo de pintura portuguesa do século XIX, onde todos os principais artistas estão representados, há uma notável colecção de porcelanas Meissen, primitivos flamengos, as tábuas do Évora que completam as do museu de Arte Antiga, pintura holandesa, italiana, espanhola, e isto para não falar do mobiliário, dos 20.000 volumes da biblioteca ou do espólio do convento de S. Francisco da Chamusca. Quanto ao papel da Câmara Municipal de Alpiarça, está bem definido no testamento de José Relvas: se não souber prover à conservação e funcionamento da Casa dos Patudos, a sua propriedade deve reverter para o município de Santarém.
O PÚBLICO tentou, sem resultados, obter um comentário da actual vereação de Alpiarça.»
De um comentador

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