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domingo, 20 de março de 2011

Eleições antecipadas à vista?

José Sócrates antecipou-se a todas as antecipações previstas pela oposição e entrou em regime de eleições antecipadas por via do PEC IV.
Arrisca-se assim a ser o próximo primeiro-ministro e a atirar o PSD para o calvário dos congressos extraordinários.
Marques Mendes - um inesperado comentador político de língua acertada - errou por pouco: mais que em regime de campanha eleitoral, o país já está em eleições antecipadas. Com o mundo português quase por inteiro a apelar a todos os agentes políticos para que mantenham a calma e não produzam distúrbios que venham a pesar ainda mais sobre a já quase impossível capacidade de financiamento do país – com os banqueiros e os empresários na primeira fila - o primeiro-ministro José Sócrates decidiu esticar a corda a um ponto tal, que o próximo que lhe tocar a partirá. Em causa está o Programa de Estabilidade e Crescimento versão IV - mas isso é o menos relevante: podia ser qualquer coisa.
O certo é que ninguém estava à espera que, meia dúzia de horas depois da tomada de posse de Cavaco Silva para um segundo mandato como Presidente da República, a corda estivesse no ponto mais ínfimo da sua capacidade de aguentar esticões. Sócrates jogou na velha máxima segundo a qual o ataque é a melhor defesa. E antes que a Belém lhe desse para novas travessuras - que ficaram suficientemente expostas no discurso de tomada de posse - S. Bento avançou.
Pedro Passos Coelho, coitado, na sua qualidade de líder do maior partido da oposição, fica sempre com o pior papel: neste enredo cujo texto cada vez menos lhe passa pela mão, tem sempre de responder como se fosse um dos protagonistas. Não é, e é por não o ser que está longe de poder começar desde já a comemorar uma vitória (eleitoral) que, por muitas sondagens que venham a ser encomendadas o afirmem, está bem longe de ser uma certeza. Na melhor das hipóteses, está tudo em aberto.
Nesta nebulosa tremendamente opaca em que se transformou o ambiente político nacional, a única coisa certa - e é nisso que José Sócrates joga porque é indesmentível - é que um cenário de eleições antecipadas fará o país perder o que lhe resta do rumo. Entre o regime de gestão em que o actual Governo entrará e o dia em que o novo Governo tomar posse, esvair-se-á qualquer hipótese de o Orçamento de Estado ser cumprido - o que, entre outras coisas, quer dizer que a meta do défice para 2011 é para esquecer, colocando as metas seguintes, de 2012 e 2013, no campo aleatório da mera hipótese académica. Contra tudo e contra todos, quer isto dizer que a posição de José Sócrates é, neste preciso momento, a mais confortável de todas.
Resta a Pedro Passos Coelho fazer o mesmo que fez o primeiro-ministro: dar um murro na mesa, endurecer a sua postura até ao limite - por muito que o limite seja um perfeito absurdo (como fez Sócrates) - e afirmar aos portugueses que, ao aceita ir a votos, concorda com a evidência de que 2011 é mais um ano para esquecer. E depois é esperar que os portugueses decidam entre dois casmurros. O problema é que Passos Coelho não é um casmurro: é um jovem simpático, que gosta de conversar e de sorrir para quem com ele conversa, é cordato, não tem reveses de ditador nem tiques de prepotência. Ou seja: não tem perfil de casmurro - e, em confronto directo com um casmurro de nascença (como Sócrates aparenta ser), não aguentará a barragem de fogo a que ficará submetido, simplesmente porque ser casmurro não está na sua essência. O PSD - ou parte do PSD - percebeu isso e já começou a movimentar-se nos interstícios dos seus sombrios corredores para contestar o seu líder. Nada de novo: o PSD, mais que um partido, é um partido repartido - e só Cavaco Silva, a quem a vida ensinou a ser casmurro, teve mão para lidar com ele, exactamente demonstrando detestá-lo e subjugando-o a um silêncio apenas quebrado por pequenas escaramuças sem grandes repercussões. Mas, por muito que Belém queira, não será o casmurro Cavaco que o casmurro Sócrates vai encontrar na linha de fogo das trincheiras deste acto eleitoral encapotado de PEC IV.
Neste cenário de absoluto absurdo - onde os portugueses são os únicos que, bem lá no fundo, não contam para nada - pode bem suceder que o PEC IV acabe por passar. Se assim for, será altura de o PSD regressar ao calvário dos congressos extraordinários e às suas próprias noites das facas longas - desporto que os seus barões conhecem como ninguém e praticam com arte de carniceiro. E Sócrates terá caminho livre à sua frente. O outro cenário é de eleições antecipadas propriamente ditas. E, se assim for, pode bem suceder que o actual primeiro-ministro passe à condição de próximo primeiro-ministro.
De qualquer modo, uma coisa é certa: o país continua a ser uma história mal contada.
«DE»

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