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domingo, 17 de março de 2013

Fragmento da história de Alpiarça

Por: José João Pais
Acção de Saúl Leal na década de 40 do século XX
Uma das figuras que nos aparece com alguma frequência durante a década de 40 é Saúl Leal. É um nome que hoje é pouco, ou nada, conhecido, e muito menos lembrado, em termos da actividade política em Alpiarça. Terá sido das pessoas mais esclarecidas e activas politicamente em Alpiarça nos anos 40. Foi em contacto com gente desta estirpe que muitos jovens alpiarcenses moldaram a sua consciência politica, como é o caso de António Jorge, Manuel Cadimas, Gabriel Fidalgo, Carlos Pinhão, José Pinhão, Manuel Vital e tantos outros. Saúl Leal foi um dos homens que esteve na génese, na nossa terra, do Movimento de Unidade Democrática, o célebre MUD, na sua vertente juvenil, onde aqueles jovens se iniciaram politicamente, contribuindo para a sua implantação, não só em Alpiarça, mas também no Ribatejo. De facto, em Alpiarça, desde o início da sua formação, começam a aparecer pessoas ligadas ao MUD, como por exemplo Carlos Pinhão, José Pinhão, Abel Pinhão, Dr. Hermínio Paciência, Américo Alves Fardilha, João Gaspar, o referido Saúl Leal, Aureliano Cravo, Manuel Cadimas, Gabriel Fidalgo, Virgílio Rebelo de Almeida, António Barata Fragoso e muitos outros, que começariam a formar a sua consciência politica no MUD juvenil, onde faziam a “recruta”, transitando depois para o MUD.
Saúl Leal foi agricultor em Alpiarça, onde nasceu no dia 7 de Janeiro de 1922, tendo-se filiado no Partido Comunista nos primeiros anos da década de 40, onde usava o pseudónimo de “Fonseca”. Fez parte do comité local de Alpiarça. Foi responsável pelo Comité Regional do Sul do Ribatejo, que, sob o seu controlo, desenvolvia e organizava o Partido na área compreendida por cinco concelhos, que constituíam outros tantos sub-comités: o sub-comité nº 1 que abrangia o concelho do Cartaxo; o sub-comité nº 11 que coincidia com o concelho da Azambuja; o nº 21 que incluía o concelho de Alenquer; o nº 31 que centrava a sua actividade em Vila Franca de Xira e o nº 41 que controlava o concelho de Salvaterra de Magos. A ligação de Saúl Leal com o comité que superintendia a província do Ribatejo era estabelecida com o seu responsável máximo, Soeiro Pereira Gomes, o autor de “Esteiros”, que usava então o pseudónimo de “Silva”.
A partir da altura em que lhe foram distribuídas tarefas de maior responsabilidade, em termos de organização partidária, Saúl Leal passou à condição de “funcionário”, ainda que a tempo parcial, se assim se pode dizer. De facto, começou a receber do PCP apenas uma determinada verba para deslocações e alimentação e o habitual veículo para transporte atribuído aos funcionários, que era uma bicicleta, cuja entrega lhe foi feita directamente pelo próprio Soeiro Pereira Gomes.
O número de militantes que estavam sob a responsabilidade de Saúl Leal no Comité Regional do Sul do Ribatejo, deveria ser perto de 340, número a que chego pelos exemplares do jornal Avante que eram distribuídos nessa zona, embora alguns fossem distribuídos a simples simpatizantes. Eram também distribuídos nesta área 100 exemplares da revista Militante e mais alguns números do boletim Ribatejo editado por Soeiro Pereira Gomes. Assim, o número de militantes da zona de Saul Leal rondaria o número que acima referimos.
Em 30 de Abril de 1947 Saul Leal foi detido em Ovar numa acção que se veio a mostrar proveitosa para a polícia, porque daria ensejo à prisão de um elemento importante no seio da estrutura do PCP, chamado Agostinho Saboga e da sua companheira. Este dirigente comunista controlava a zona de Coimbra, que era importante sob o ponto de vista estratégico, pois correspondia á zona central do país e de maior concentração estudantil.
A detenção de Saúl Leal viria a dar-se na sequência de uma operação de vigilância montada pela PIDE à casa de José de Almeida Filipe, em Ovar. Este foi detido quando transportava duas malas onde estava diverso material subversivo e alguns livros “de teoria avançada”, segundo dizia a polícia. Levava também outras publicações proibidas, entre as quais estava um panfleto dactilografado intitulado “Acampamento Popular do Ribatejo” e vários documentos relativos ao MUD. Entre estes documentos estavam vários bilhetes de identidade, entre os quais o de Saúl Fernão Pires Leal, o que motivou a sua prisão.
Na realidade, Saúl Leal era já nesta altura funcionário do Partido Comunista a tempo inteiro. Teria um vencimento de 570$00, acrescido de mais 200$00 para sustento de um eventual acompanhante que consigo vivesse. Distribuía imprensa e outro material partidário na zona norte do país, sobretudo no Porto. Vivia na clandestinidade em várias casas do Partido, a última das quais situada na povoação de Fala, concelho de Coimbra, onde vivia outro casal de funcionários comunistas, Agostinho Saboga e Lucinda Mendes. Ao tomar conhecimento da prisão de Saúl Leal, este casal, sentindo que poderia estar em risco a sua segurança, opta por deixar a casa de Fala e tirar de lá todo o material comprometedor em termos políticos. Agostinho Saboga muda-se para Casal Galegos, próximo da Granja do Ulmeiro. Mas comete um erro imperdoável em termos de segurança: quando muda de casa mandou a mobília por uma camioneta alugada. Assim, quando a polícia conseguiu identificar a casa de Fala perguntou aos vizinhos para onde é que eles se tinham mudado. Claro que não sabiam para onde, mas sabiam que tinham feito as mudanças através de uma empresa de camionagem. Bastou à Policia fazer uma pequena investigação, indo à empresa que alugara a camioneta, para saber para onde fora feito o frete. Chegou, assim, facilmente à nova morada de Saboga, que usava então o nome falso de Augusto Pais da Silva. Ele e a companheira são presos em 4 de Junho de 47, mês e meio depois da detenção de Saul Leal, causando mais uma machadada profunda na estrutura do P.C.P.
Saúl Leal passou então pelas prisões do Aljube e Caxias. Foi restituído à liberdade em 16 de Agosto de 1948 “por ordem do 3º Juízo Criminal de Lisboa, por ter prestado a fiança que lhe foi arbitrada” após ter recorrido da sentença proferida em julgamento efectuado quatro dias antes.
Quando da morte de Manuel Vital, em Novembro de 1950, Saul Leal estava em Alpiarça e foi um dos que tomou conhecimento de uma carta de Vital a pedir ajuda a sua mãe Joaquina Lopes. Como refiro no livro “Gente de Outro Ver”, Joaquina Lopes não sabia ler, por isso mostra-a a sua sobrinha Joaquina Freitas Lopes, que, por sua vez a mostra a Carlos Pinhão, membro do Partido Comunista, que a lê e toma conhecimento das queixas de Manuel Vital e a sua precária situação financeira. Carlos Pinhão, face ao conteúdo da carta, pede-a à portadora “para a mostrar a uma pessoa”. Essa pessoa era Saúl Fernão Pires Leal, que não faz grandes comentários “mostrando-se pouco inclinado a acreditar completamente nas queixas que o Manuel Vital fazia do p.c.p.”. Por estes dados constatamos que nesta altura Saul Leal ainda se movimentava no seio da estrutura comunista alpiarcense.
Só em 1 de Julho de 1952 Saul Leal voltou a dar entrada em Caxias para cumprir a pena efectiva a que fora condenado em 12/8/48 pelo 3º Juízo e confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 19 de Outubro de 1949. Assim, foi condenado a 2 anos de prisão maior celular, ou em alternativa na de 3 anos de degredo e na suspensão de todos os direitos políticos por 15 anos e na medida de segurança de internamento de um ano. Tendo em atenção o tempo que já havia cumprido anteriormente, é posto em liberdade condicional no dia 16 de Fevereiro de 1953.
Posteriormente viria a ter mais alguma actividade política, mas sem o envolvimento a que atrás nos referimos.
Bibliografia consultada: Pais, José João Marques, “Gente de Outro Ver”, 2005.
Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Processos 757/47 e 313/50-PIDE

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