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domingo, 16 de agosto de 2009

Um dia...já lá vão muitos anos..., era preciso muita pachora para receber uma porcaria de 3$50 de troco, mas..este valor era uma hora de trabalho

Um dia, já lá vão muitos anos, escolhi Alpiarça como terra para viver.
Como tantos outros jovens, por cá iniciei a minha vida e constituí família. Casado de fresco, feliz da vida, com a energia dos vinte anos, uma filha a nascer, uma casa a cair e uma retrete de platex ao fundo do quintal, cá me fui orientando até que outros voos me levaram a outras retretes e até banheiras luxuosas noutras partes do mundo.
Certa altura, tendo acabado o gás do fogão e havendo necessidade de terminar a sopa, dirigi-me com alguma pressa, aos "Pinhões" como era conhecido o estabelecimento comercial na altura: Pinhão & Pinhão Lda.
Fui então atendido por um senhor que, mais tarde viria a saber, tratar-se de José Pinhão mais conhecido por "Zeca Pinhão" de quem eu já teria ouvido falar como tendo sido um homem descendente de família com algum poder económico, muito justo e prestável, revolucionário e um pouco desprendido até dos bens materiais terrenos.
Daí a fama que tinha de ajudar o próximo. Estaríamos aí por volta de dois... três anos, depois da Revolução dos Cravos de 1974. Sou então atendido por este senhor com ar bonacheirão e distante que me pergunta o que desejava. Respondi que precisava de uma garrafa de gás. O senhor no seu ar pachorrento, tal como o guerreiro que necessita descansar depois de uma rude batalha, vai buscar o livro para registar a garrafa de gás entregando-me uma folha de liquidação que serviria para o empregado me entregar a respectiva garrafa que se encontrava no armazém (?) mesmo ali ao lado.
Assim, olhando para a factura, entreguei uma nota, cujo valor facial já não me recordo mas, recordo que tinha a receber de troco 3$50. O senhor pegou na nota e lá foi guardá-la onde bem entendeu. E eu à espera que o troco chegasse e preocupado com o arroz que ficou na panela a encruar. Esperei 5... 10 minutos e, o senhor não havia meio de aparecer com o troco.
Palavra que me lembrei da cantiga muito velhinha…" A panela ao lume e...o arroz está frio". Eis então que, passado já algum tempo, o senhor se dirige para o balcão onde me encontrava, vindo de um pequeno escritório (onde fazia seguros, creio) para grande alívio meu....E pergunta-me:
- Deseja mais alguma coisa?- Não. Desejo apenas o troco do gás. O senhor (Zeca Pinhão) colocou os óculos e olhando para a factura que eu lhe pusera em frente, resmungou:- É preciso ter pachorra para ficar aqui todo este tempo por causa de uma porcaria de 3$50!...
De recordar que 3$50 equivalia na altura a mais de 1 hora de trabalho, para mim.

E assim fiquei com o “flash-back” deste Ilustre Alpiarcense e revolucionário a quem foi dado o seu nome a uma praceta em zona nobre da Vila.Hoje, acredito que este Resistente não ligava mesmo nada aos bens materiais e muito menos a tostões..


Português PT

«Comentário do colaborador deste jornal sobre o artigo: Não se deve meter no saco todos os resistentes

4 comentários:

Jornal Alpiarcense disse...

Caro leitor e colaborador deste jornal “Português PT”. Jornal Alpiarcense tem muito prazer em englobá-lo na “Coluna de Colaboradores”. Gostamos das suas crónicas. Pedimos-lhe que continue a escrever e a colaborar com este jornal sempre que lhe seja possível.
Se pretender, poderá identificar-se perante o jornal, cuja identificação guardaremos em sigilo profissional e jornalístico, que de forma alguma, será divulgado.
Se entender não o fazer, permita-nos que possamos colocar o seu pseudónimo na coluna de colaboradores.
O Administrador

Anónimo disse...

Revolucionários de barriga cheia é o que o Mundo mais tem!
Raramente alguém vindo de classes baixas ganha protagonismo. Basta ver os exemplos nacionais e internacionais, de Che Guevara a Lenine,de Soares a Cunhal. Todos tinham em comum descenderem de famílias burguesas. Lá dizia o outro que todos somos iguais, mas uns mais iguais que outros...

Anónimo disse...

Não tenho muito mais para dizer do que isto. independentemente de quem seja este Português Pt, revela grande classe pela sua transparência. Grande testemunho. Grande nível na arte de contar.

Assim, vale a pena ler. Parabéns.


Almeirante

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.