Na década de 60 do século passado, o destino da maioria dos jovens do nosso país, quando na idade de cumprir o serviço militar, era serem mobilizados para a guerra colonial. Assim aconteceu comigo. Fui mobilizado para a Guiné em 1969. Fui de rendição individual, o mesmo é dizer que fui render um jovem soldado que sucumbiu em combate.
Naturalmente, muitos dos que viveram esta guerra têm carregado consigo, durante estes anos, o resultado de determinados traumas, em consequência de uma relação de causa e efeito, que é difícil de descrever em toda a sua extensão, apesar de registada na memória de cada um. Na minha perspectiva, acho absolutamente redutor resumir todas as causas ao suposto "stress de guerra", como às vezes se quer fazer crer.
Em outros momentos senti vontade de intervir e opinar sobre a guerra colonial, mas tenho de confessar que mesmo sentindo esse desejo como ex-combatente, nunca me foi fácil abordar essa temática, até porque, em meu entender, o pouco que se debateu sobre ela raramente foi às questões de fundo. A discussão foi sempre ineficaz e insuficiente.
Basta recordar alguns programas que se fizeram na comunicação social, mais concretamente o Prós e Contras da RTP, onde se notou a ausência dos que mais sentiram na pele a guerra. São os mesmos que ainda hoje mais sentem os seus efeitos, sobretudo os de menores recursos para fazerem face a um conjunto de despesas medicamentosas, específicas e inerentes à sua presença na guerra.
É hoje notório que a ausência durante estes anos de um debate mais adequado possível e de medidas justas para os ex-combatentes levou à falta de uma melhor consciencialização do país sobre a guerra colonial e desta forma conseguir que a cada momento se pudesse lidar melhor com a situação que se colocava, sobretudo aos que mais directamente a viveram. Daí termos hoje entre os sem-abrigo um número significativo de ex-combatentes a viverem nas piores condições humanas.
Acontece, porém, devido à avançada faixa etária de alguns ex-combatentes, que o número de problemas seria em maior quantidade para muitas famílias portuguesas se alguns daqueles que foram no início da guerra não tivessem já falecido. Pelas razões óbvias e conhecidas, durante o antigo regime de ditadura era de toda a conveniência esconder dos portugueses toda a verdade sobre a guerra colonial, assim como todos os seus efeitos nefastos.
Também não se compreende que, com o fim da guerra e a conquista da democracia e de um Estado de direito, presentemente o meu sentimento, apesar de algumas medidas e de alguns passos dados, é que ficamos aquém do que era desejável para minorar os efeitos nocivos que ainda hoje pairam na sociedade.
Quando comparados com outros povos europeus, é habitual colocar os portugueses como os que mais sofrem com os sintomas de depressão e é por vezes costume associá-los a vários factores, nomeadamente de ordem política, económica, social e cultural. No entanto, é pouco referido o facto de termos vivido, num determinado período da nossa história, uma guerra colonial.
E evidente que não me considero a pessoa mais indicada para abordar um tema desta índole, tão delicado e de tamanha importância. Não obstante, como ex-combatente, julgo-me com algum conhecimento de causa. Se o faço, é nessa qualidade e como testemunho de um cidadão preocupado por constatar que, nos tempos que correm, isso é cada vez mais um tabu para os responsáveis políticos.
Ao abordar a problemática da guerra colonial e do que daí poderá advir, mesmo para as novas gerações, devemos ter em conta que ainda hoje subsistem muitas dúvidas quanto ao stress de guerra poder ou não supostamente ser transmissível. Naturalmente, todos temos interesse em ser esclarecidos por quem de direito.
Mau seria que, por motivos economicistas, déssemos o dossier da guerra colonial por encerrado. Aliás, continuam a ser contraproducentes as dificuldades encontradas pelos sucessivos governos na melhoria e pagamento do miserabilíssimo subsídio anual aos ex-combatentes.
Francisco Ferreira Martins
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