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domingo, 16 de agosto de 2009

O mesmo problema continua a existir anos depois... os discursos são os mesmos... a lenga lenga é a mesma...



O melão do Ribatejo está saboroso, a produção foi em boa quantidade, mas este ano é, para os seareiros de Alpiarça, o mais negro de que há memória desde há décadas. Só conseguem vender a fruta a metade do valor que custa produzi-la.



Não é apenas o melão que está em saldo, nem a melancia... O presente e o futuro de centenas de famílias estão postos em causa pela liberalização do comércio agrícola, feita para favorecer os grandes potentados agro-industriais e para atirar para um abstracto «mercado» as responsabilidades concretas de quem tomou e toma decisões políticas. Juntamente com a fruta, estão vidas em saldo.

São atribuídas responsabilidades ao actual Governo e aos que abdicaram da agricultura nacional, quando negociaram as condições de adesão de Portugal à CEE. Os comunistas levam o drama à Assembleia da República e apontam aos agricultores o caminho da unidade, da organização e da luta.

É precisamente da falta de unidade e das consequentes debilidades ao nível organizativo que mais se lamentam os produtores com que a nossa reportagem falou em Alpiarça.

Melão e melancia são vendidos, quando o são, muito abaixo do preço justo

Para o Mercado do Carril, criado há uns dez anos, por iniciativa da Câmara Municipal dirigida então pela CDU, os produtores de melão, melancia e outras frutas e produtos hortícolas do concelho trazem todos os dias o resultado do seu investimento e do seu trabalho durante meses. Aqui aguardam, enquanto há sol, que os intermediários se interessem pelo produto exposto e ofereçam um preço justo. Como o tempo não pára e no campo há mais fruta por apanhar, acabam por vender muito abaixo do que seria de justiça. Seja por interesse comercial ou seja por pudor, alguns escondem dos vizinhos o verdadeiro valor deste ou daquele negócio. Mas a consternação e a revolta sentidas no mercado evidenciam um mal profundo que atinge todos.

De Espanha a enchurrada

De acordo com as regras impostas pela União Europeia (e aceites sem luta pelos governos do nosso país), os agricultores não podem ser subsidiados. Nem em todos os países, contudo, os produtores de fruta se vergaram às normas de Bruxelas.

Em Espanha, desde a abertura total das fronteiras, floresceu a produção de melão branco para venda exclusivamente em Portugal, com os espanhóis a conseguirem praticar preços abaixo das 20 pesetas. São comercializados cá a 20 ou 25 escudos.

Celestino Brasileiro afirma que não podem ser apenas os menores custos de produção que justificam aquele valor e admite que os produtores espanhóis hão-de ser, de alguma forma, apoiados pelo Estado, ainda que através dos governos regionais. «Devem ter conseguido isso porque estão mais organizados e mais unidos do que nós e têm mais poder de reivindicação», reconhece.

Sem qualquer controlo aduaneiro e sem fiscalização no comércio, o melão de Espanha até pode ser facilmente vendido como nacional ao consumidor português.

Em ano de colheita mais abundante, a entrada da fruta espanhola agravou a saturação do mercado e os preços no produtor baixaram até níveis desesperantes.

«Quem comercializa acaba por não perder, tem a sua margem garantida; o consumidor também ganha, porque há alguma baixa nos preços; o produtor nacional é que fica a perder» – resume Abel Pereira. O presidente da associação refere que, em tonelagem, o melão espanhol vendido em Portugal terá já ultrapassado, este ano, o português.
Contas de perder
Cada hectare de melão, explicou ao Avante! o presidente da Associação de Produtores de Melão de Portugal, custa cerca de mil contos. As contas, em números redondos confirmados por outros agricultores no Carril, incluem a renda do terreno (entre 200 e 300 contos), as sementes, os adubos, os pesticidas, o plástico, o trabalho. Numa colheita, em média, dificilmente é ultrapassado o rendimento de 20 toneladas por hectare – o que significa um preço de custo de 50 contos por tonelada. No caso da melancia, o custo da tonelada andará pelos 20 contos.
O Ministério da Agricultura, num estudo referido por Abel Pereira e também por Celestino Brasileiro, confirmava há 2 ou 3 anos que o melão custa, na produção, cerca de 50 escudos por quilo.

No mercado do Carril, sexta-feira passada, o melão vendia-se a 30 escudos.

A melancia andava pelos dez, mas confidenciaram-nos que já tinha atingido nesse dia preços ainda mais baixos. «Nem dá para o trabalho de apanhar as melancias do chão», desabafou um agricultor, ainda com a memória em carne viva, depois de na última semana ter vendido apenas 650 quilos de melancia, a 20 escudos o quilo. O vizinho, aproveitando a deixa, apresentou outros números: «Para escoar a melancia, devia tirar uma carrada por dia; ora, nesta altura, estou a tirar uma carrada por semana».

Para uma solução sólida

Para Celestino Brasileiro, o prejuízo da colheita deste ano é irreversível e pode, quando muito, ser minorado pela diminuição da oferta espanhola. O dirigente associativo mostra-se seriamente preocupado com o futuro e é nessa perspectiva que defende medidas de fundo. «Os espanhóis ganharam muito este ano, portanto, na próxima Primavera, vão semear ainda mais melão destinado a Portugal», prevê, sublinhando que estão em causa muitas famílias, especialmente nos casos em que os produtores tiveram que recorrer a empréstimos bancários.

Abel Pereira e Celestino Brasileiro recordam que o PCP, com as associações e a Confederação Nacional da Agricultura, denunciaram que, nas negociações para a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, não foram acautelados os interesses dos agricultores portugueses. «Chamaram-nos muitos nomes, mas a verdade é que estamos agora todos a pagar o preço e alguns vão mesmo ficar pelo caminho», lamenta Celestino.

A preocupação e o alerta têm merecido atenção na comunicação social e levaram ao mercado de frutas de Alpiarça a deputada do PCP eleita pelo distrito de Santarém. Luísa Mesquita esteve no Carril a 27 de Julho e apresentou na semana passada, na Assembleia da República, com Agostinho Lopes, um requerimento sobre este problema. O Governo, através do Ministério da Agricultura, é solicitado a esclarecer que medidas prepara ou tem em curso «para responder à crise conjuntural que vivem os meloeiros de Alpiarça, Almeirim e outros do distrito de Santarém»; os deputados comunistas questionam ainda «que apoios podem ser considerados par a comercialização do melão e que ajudas estão previstas para o desenvolvimento de organizações de produtores»; por fim, perguntam se «está ou não em curso algum processo para a classificação e certificação de origem do melão ribatejano».

Os dirigentes associativos, acentuando o drama que atinge muitas famílias de agricultores, entendem que o esforço para encontrar uma solução deve envolver Governo, produtores e estruturas associativas, autarquias... A par da organização dos seareiros, em associações ou cooperativas, deveria criar-se uma certificação de origem.

Lembrando que, «se fosse em Espanha, eles não ficavam quietos», Celestino Brasileiro diz que os produtores portugueses «não se devem lembrar das associações só quando há problemas» e admite que acabe por ser determinante a capacidade de «encetar formas de luta».
Abel Pereira tem 65 anos, trabalha a terra desde pequeno. Foi operário agrícola, esteve 7 anos emigrado em França, mas a maior parte da vida foi dedicada à seara de melão, tendo apenas como companheira de trabalho a sua mulher e por limite de exploração os três hectares. Em 1996 foi operado ao coração e desde então está reformado. É presidente da Associação de Produtores de Melão de Portugal, e gostaria de ver mais activos os cerca de 300 sócios. A sua actividade política começou aos 13 anos, no MUD Juvenil, depois no PCP. Regressado de França em 1976, retomou a militância e faz parte da Comissão Concelhia de Alpiarça.


Celestino Brasileiro, de 42 anos, é dirigente da Associação de Produtores de Melão de Portugal, da Federação de Agricultores do Distrito de Santarém e da Confederação Nacional da Agricultura. Exerce a sua actividade de agricultor juntamente com um sócio, empregando uma dezena de pessoas durante quase todo o ano. Além de melão e uvas, produzem também outros produtos hortícolas e exportam alho francês. Desde 1976 está ligado ao PCP, primeiro na Juventude e depois em várias tarefas. Durante quase 20 anos fez parte da Concelhia e desenvolve hoje trabalho na área das autarquias, eleito pela CDU na Assembleia de Freguesia de Alpiarça.

(Este artigo foi publicado em 2001 no jornal "Avante" N.º 1445 . Os problemas es os protagonsitas continuam a ser os mesmos como os respectivos problemas)

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