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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Lisboa, Paris, Bucelas ... e Vale de Cavalos


Anabela Melão *

A cidade assedia-me. O trabalho devora-me. Os interesses, negócios e compromissos prendem-me às raízes urbanas, e cada vez é mais difícil aproveitar as longas horas prazenteiras do meu refúgio rural. E tenho pena! Agora, que criei o meu projecto empresarial, com um vice-chairman que me apara algumas ausências, más disposições e outras maleitas, próprias de quem tem dificuldade em acreditar - mesmo - que o dia dura o que dura, e que me ampara na parte logística e operativa, tenho o direito e o dever de saborear, de degustar, o infinito verde daquela casa, os sabores do Chão-do-Prado e do Retiro do Raposo, em Bucelas, cantinhos deliciosos, em que o tempo pára e o mundo também.
Sou uma querosiana por devoção e sou Touro. Ribatejana dos sete costados. Não sei se será bem isso que explica este amor à terra, o cheiro de terra molhada, a falta que o verde me faz!
O que o Eça tem que me arrebata, que me resgata, é a descrição, a força do seu poder descritivo, sobre a ruralidade do País, os cheiros e os sabores nacionais. Tal como ele, também para mim, Paris é uma segunda mãe, e de vez em quando, as saudades de Paris desassossegam-me. Mas é no cantinho do que há de mais rural e campestre que me refaço e recrio. Lá fora, rapidamente me assoma, como no Eça mordaz, a «seca» das comodidades da ultima moda, no caso do Eça era o 202 dos Champs-Elisées. Lá onde ele degustava «diversas águas engarrafadas, ostras clássicas, de Marennes, sopa de alcachofras, ovas de carpa, frangos e túberas, filetes de veado macerado em Xerez com geleia de noz e laranjas geladas com éter» até receber a carta do procurador Silvério sobre as terras de Tormes anunciando que devido a uma tempestade, a capela onde repousavam os «preciosos restos» dos antepassados de Jacinto fora arrastada pela força das águas e das terras e com ela «as respeitáveis relíquias». Que ele «já recolhera os despojos com todo o respeito e lhes dera uma morada provisória e pedia instruções a Jacinto quanto à reconstrução da capela».
E, tal como eu quando recordo o meu avô, Zé Melão, homem em que me inspiro quando a vida se arma em cretina e me pretende devorar o coração e alma, experimento maravilhosos ensaios de loucura, recordo Vale de Cavalos, a ida à leiteira, de leiteirinha na mão, os biscoitos, o chouriço - que, segundo a minha avó, era "o fim do mundo" - as filhozes acabadinhas de fazer, a sopa de couves com feijão, as fataças a saltar nas límpidas águas do Tejo, depois cozidas, com batatinhas, ah! que saudades, e sinto-me como se tivesse naquele tempo querosiano, em que apelaram à alma do Jacinto, e ele acordou para o passado e juntamente com ele, todos os Jacintos seus antepassados.
**Chairman da REGIS LABORE, International Consulting.



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