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sábado, 19 de fevereiro de 2011

Cadernos de Etnografia e Folclore

Por Lino Mendes


Diz a “Sociedade de Língua Portuguesa”que o estudo do Folclore começou na Alemanha em 1812 com trabalhos de muito valor. E como sabemos, não só a Alemanha se preocupou com tal estudo, mas outros países como por exemplo a Itália, a Espanha, os Países Baixos, etc. O mesmo estendeu-se depois a Portugal e a outros países. Entre nós, foi Almeida Garrett ( 1799-1854) que no nosso país foi o introdutor do romantismo, que iniciou tal estudo pela investigação dos contos, dos adágios, dos provérbios e mais ainda como por exemplo das adivinhações, dos jogos, dos cancioneiros. O seu Romanceiro data de 1851.(1853?) Entretanto não podemos esquecer outros nomes como José Leite de Vasconcellos, Jorge Dias e Ernesto Veiga de Oliveira. Sendo ainda de realçar o Cancioneiro Popular Português de M. Giacometti.
Ainda quanto a Portugal, não podemos esquecer que Gil Vicente (1435-1538 ) “já traçara um vastíssimo quadro da sociedade portuguesa”sendo a partir do romantismo que se verifica um amplo interesse por motivos folclóricos e aspectos etnográficos” por se considerar que neles se encontrava a verdadeira essência da alma nacional”
Mas a palavra Folclore aparece pela primeira vez, em forma de proposta para substitui a expressão “antiguidades populares” até então usada, numa carta enviada por W.S.Thomas em 22 de Agosto de 1846 à revista The Athenaeum. E aparece através dos vocábulos da língua inglesa folk e lore (povo e saber) que foram unidos (folklore) passando a ter o significado de saber tradicional de um povo. Este termo passou a ser utilizado então para se referir às tradições, costumes e superstições das classes populares. Posteriormente, o termo passa a designar toda a cultura nascida principalmente nessas classes, dando ao folclore o status de história não escrita de um povo. Em 1878 esta designação é reconhecida internacionalmente
Constatamos assim que enquanto a Sociedade de Língua Portuguesa nos diz que o estudo do Folclore começou em 1812,alguns estudiosos e diversas enciclopédias referem que em forma de proposta tal designação só aparece em 1846 mas em substituição do termo “antiguidades populares”.Presume-se assim, que quando o termo Folclore foi convencionado, já se realizavam estudos sobre a matéria.
Será?
Entretanto, quando é que o associativismo português se começou a interessar pelo estudo do folclore? Diremos que muito recentemente, já que de folclore nada tinham os primeiros grupos que apareceram.
Segundo Humberto Nelson Serrão, de cuja bibliografia, nomeadamente do trabalho apresentado ao IV Congresso Português de Sociologia, nos vamos socorrer para a elaboração de alguns destes tópicos ”se 1917 e 1933 são datas significativas para uma maior visibilidade de ranchos da Região Minhota, no Ribatejo apenas conseguimos detectar a primeira “ marcha festiva” no ano de 1936, que se apelidou de Rancho “Os Campinos”de Vila Chã de Ourique (Cartaxo)”Este, como outros terá tido vida efémera” não prefigurava aquilo que mais tarde viemos a conhecer como ranchos folclóricos”.Aliás, o termo rancho folclórico---e estamos a falar apenas de uma região, neste caso, o Ribatejo— terá sido assumido a partir do II Congresso Ribatejano (1947).
Até finais dos anos 30,a palavra “rancho” vinha sendo utilizada para identificar o grupo de trabalhadores que desempenhavam tarefas agrícolas por conta dos proprietários das quintas para quem trabalhavam” e que quando”acontecia uma festa ou um grande evento que mobilizasse os grandes proprietários, aos seus trabalhadores era solicitada a participação para apresentarem os seus fatos mais antigos, músicas, cantares e danças”.De qualquer modo, e em minha opinião, estes “ranchos de trabalhadores” tinham uma essência popular que não existia nos grupos que em 1940,e para o enviar a Madrid, o SNI “farda” sob orientação de “3 etnógrafos” oriundos de Lisboa que transmitiram “ uma ordem que vinha das entidades do Estado”
Um dos casos, é o do Rancho Folclórico de Alte”,e sobre o assunto já tenho falado sobre o assunto com o seu responsável,sendo que os “trajos inicialmente recolhidos na formação do Rancho foram substituídos por outros pagos pela FNAT.
E ao que parece, também Sebastião Arenque, ao assumir em 1967, a orientação do Rancho “Ceifeiras e Campinos” de Azambuja, teve que fazer-lhe algumas transformações, retirando-lhe “todo o repertório, dado tratar-se de músicas compostas, poemas feitos e coreografias encenadas ou imaginadas, sem nada em comum com as usanças antigas das gentes da Azambuja”.
Era a regulação fiscalizadora dos ranchos folclóricos. Aliás, e antes de 1939 António Ferro reivindica para si esse papel de controlador e regulador, e não é por acaso que Salazar afirma:”fazei as leis de um povo, mas deixai-me fazer as suas canções e veremos qual de nós governa esse povo”
De referir a influência que no aparecimento de alguns grupos certamente teve a realização em1932 e em Lisboa das primeiras “Marchas Populares”.Mas por favor não chamem a estas o folclore de Lisboa.
Em 1953,e enquanto o International Folk Music Council define a Música Folclórica como “ a música que tem estado sujeita ao processo de transmissão oral, que é produto de evolução e se acha dependente de circunstâncias, de continuidade, variação e selecção”, em Portugal sob o ponto de vista etnográfico a mesma era difícil de definir” devido à abordagem alienante do mesmo pelo SNI que ao pretender que o folklore fosse um elemento de actividade turística, acabou por desenvolver uma pretensa etnografia bonitinha, representativa de um povo pobre mas exótico, onde as formas espontâneas de expressão musical chegavam a ser corrigidas e emendadas, por entidades contratadas para o efeito, com vista a perderem a rusticidade original e adquirirem uma estética mais de acordo com os fins em vista.” (Almeida de Sousa)
E estamos já em 1967,quando dentro do próprio movimento criado pelo SNI,”aparece uma oposição ao folclore instituído”.Era a Federação do Folclore Português que começava a germinar. Entretanto e à margem dos “grupos de Folclore” Armando Leça, Michel Giacommeti e Fernando Lopes Graça, fazem a nível do país uma recolha em fita gravada.”Foi um trabalho científico todo ele realizado em torno de uma realidade social e de um folclore com uma forte tradição oral, devido à ausências de vias de comunicação, de electricidade e de outras conquistas da civilização no século xx, o que permitiu até bem tarde, um quotidiano social rústico que através deste trabalho científico se pode guardar” (António de Sousa)

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