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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Carta de Bruxelas: A Presidência Húngara


Por: Capoulas Santos *
A União Europeia, que nasceu com o fim da guerra e prosperou em concorrência com o mundo bipolar este-oeste que então se constituiu, vive um dos momentos mais críticos da sua história.

A queda do “Muro de Berlim” tornou inevitável a integração na UE de uma boa parte dos cacos do comunismo. A não ter sido assim, ter-se-ia criado na Europa uma zona de instabilidade económica e social e um fluxo de emigração clandestina que teriam consequências politicas difíceis de imaginar. A integração entre 2004 e 2007 de dez novos Estados do leste europeu, cheios de problemas, tornaram a outrora fortaleza europeia mais débil do que se poderia supor para enfrentar a crise que o final da primeira década do século XXI nos viria a reservar, e cujo verdadeiro desfecho ninguém minimamente sensato se atreve a vaticinar.

A integração plena dos estados do leste europeu tem como consequência institucional directa a assumpção, por parte deles, da Presidência rotativa do Conselho, de acordo com o ordenamento que está definido. Já tivemos uma discreta Presidência Eslovena, uma triste Presidência Checa e temos agora, a partir de 1 de Janeiro de 2011, uma Presidência Húngara cujo “prognóstico”, como diria aquele célebre jogador do Porto, só se pode mesmo fazer no fim do jogo. Que, curiosamente, sucede a uma Presidência Belga que foi nos últimos seis meses assegurada por um governo de gestão, uma vez que, na sequência das ultimas eleições que tiveram lugar há 8 ou 9 meses atrás e que não ditaram qualquer maioria, os partidos belgas não foram até agora capazes de se entender para formar governo.

A Hungria foi um dos primeiros países a entrar em dificuldades com a deflagração da crise financeira de 2008 e dos primeiros, senão mesmo o primeiro país, a conhecer a intervenção do FMI e aplicação de um duríssimo plano de austeridade para saneamento das suas finanças publicas. As eleições que entretanto tiveram lugar em 2010 deram uma esmagadora vitória ao partido ultraconservador, o FIDEIZ, liderado por Viktor Orban, um populista demagógico que conheci pessoalmente, em 2001, enquanto membro da comitiva do Presidente Jorge Sampaio, que então visitou aquele país. Na altura, Orban passava pela sua primeira experiência como primeiro-ministro que acabou mal mas, como se constata, também na Hungria a memória politica parece ser curta.

Pois, Viktor Orban, cujo partido obteve mais de 2/3 dos deputados eleitos para o Parlamento, graças a uma campanha assente em fortes ataques ao governo anterior por causa do seu duro plano de austeridade, acaba de retirar um mês de salário aos pensionistas, de suprimir o 13º mês aos funcionários públicos, de subir o IVA para 25% e de aumentar severamente os impostos às maiores empresas instaladas no país, a maior parte estrangeiras, que já começaram a ameaçar com deslocalizações.

O Governo Húngaro, ao qual compete presidir às diferentes formações do Conselho de Ministros da UE e ter um papel liderante na busca de soluções para a crise financeira que ameaça diversos países, entre os quais o nosso, depois de ameaçar romper com as obrigações assumidas pelo seu país perante o FMI, o que terá certamente como consequência o corte das ajudas financeiras à Hungria e o incumprimento do pagamento da sua divida soberana, inicia a sua Presidência sob fortes criticas dos seus parceiros comunitários a propósito de uma polémica lei de imprensa recentemente aprovada e contrária aos princípios de liberdade de imprensa em vigor na UE.

O Governo Húngaro quer que os jornalistas passem a ser “politicamente equilibrados”, conceito que será definido por uma comissão parlamentar composta praticamente em exclusividade por deputados do FIDEIZ, sob pena de pesadas multas e de encerramento das publicações, para além de, em assuntos considerados de “segurança nacional” e “ordem publica”, as fontes passarem a ser obrigatoriamente reveladas e o os documentos inspeccionados.

Se fosse cá, ficávamos sem comunicação social de um dia para o outro.

Perante isto, é preciso ser mesmo muito optimista para ter boas expectativas face à terceira Presidência “do leste” que nos coube em sorte.

* Eurodeputado e colaborador do JA




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