25 anos volvidos sobre a sua morte, “o
rosto da utopia” Zeca Afonso suscita-nos a reflexão sobre o momento presente.
Em “As Memórias de uma aula
de Zeca Afonso em Setúbal”, em 1967 (Hélida Carvalho Santos), Zeca recusava-se a ser cúmplice paralisado
e indiferente da “fantochada sem interesse” própria do regime salazarista.
Num claro momento em que o clima nacional se presta a desânimos e a
desilusões o Zeca tem esse dom de despertar em nós a inquietude com tom de
revolta. Fazem-nos falta as suas canções com nuances de gritos manchados de
dor. A dor do que leva e ao que conduz a falta do pão na mesa.
Haveria, na altura, mais razões para se dizer “O que é preciso é criar desassossego. Quando começamos a criar álibis
para justificar o nosso conformismo, então está tudo lixado! (…) Acho que,
acima de tudo, é preciso agitar, não ficar parado, ter coragem, quer se trate
de música ou de política. E nós, neste país, somos tão pouco corajosos que,
qualquer dia, estamos reduzidos à condição de ‘homenzinhos’ e ‘mulherzinhas’.
Temos é que ser gente, pá!”? (entrevista a Viriato Teles, in «Se7e», 27/11/85).
E, contudo,
hoje, ante o silêncio e o conformismo de um povo que sangra e que sofre sem um
ai e sem um ui as suas canções retomam força e propriedade.
Essa voz do
silêncio e esse conformismo suscitam-nos alguma tristeza.
Poderemos
dizer, como ele “Não me arrependo de nada do que fiz. Mais: eu sou aquilo que
fiz. Embora com reservas acreditava o suficiente no que estava a fazer, e isso
é que fica.”? (entrevista a Viriato Teles, in «O Jornal», 27/4/84).
Cremos que
não. O peso da omissão custa-nos tanto quanto lhe custava a ele a omissão de um
povo constrangido pela opressão externa, a par da interna. Os gritos que hoje
se ouvem comovem-nos? Ou esbarram na cortina do silêncio?
“Quando as
pessoas param há como que um pacto implícito com o inimigo, tanto no campo
político, como no campo estético e cultural. E, por vezes, o inimigo somos nós
próprios, a nossa própria consciência e os alíbis de que nos servimos para
justificar a modorra e o abandono dos campos de luta” (dizia ele ainda na mesma
entrevista).
É talvez com
este registo que nos devemos demorar.
Talvez
devêssemos demorar-nos na enormidade da força de uma canção.
Talvez
devêssemos gritando a cantar.
Talvez
devêssemos Ser, de novo, “O rosto da utopia”.
Como o Zeca.
Afinal, já lá
vão 25 anos. E hoje o seu grito é o nosso grito. Há que fazer dele a nossa
canção.
Por:
Anabela Melão
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