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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

ZECA – A CANÇÃO


25 anos volvidos sobre a sua morte, “o rosto da utopia” Zeca Afonso suscita-nos a reflexão sobre o momento presente. Em “As Memórias de uma aula de Zeca Afonso em Setúbal, em 1967 (Hélida Carvalho Santos), Zeca recusava-se a ser cúmplice paralisado e indiferente da “fantochada sem interesse” própria do regime salazarista.
Num claro momento em que o clima nacional se presta a desânimos e a desilusões o Zeca tem esse dom de despertar em nós a inquietude com tom de revolta. Fazem-nos falta as suas canções com nuances de gritos manchados de dor. A dor do que leva e ao que conduz a falta do pão na mesa.
Haveria, na altura, mais razões para se dizer “O que é preciso é criar desassossego. Quando começamos a criar álibis para justificar o nosso conformismo, então está tudo lixado! (…) Acho que, acima de tudo, é preciso agitar, não ficar parado, ter coragem, quer se trate de música ou de política. E nós, neste país, somos tão pouco corajosos que, qualquer dia, estamos reduzidos à condição de ‘homenzinhos’ e ‘mulherzinhas’. Temos é que ser gente, pá!”? (entrevista a Viriato Teles, in «Se7e», 27/11/85).
E, contudo, hoje, ante o silêncio e o conformismo de um povo que sangra e que sofre sem um ai e sem um ui as suas canções retomam força e propriedade.
Essa voz do silêncio e esse conformismo suscitam-nos alguma tristeza.
Poderemos dizer, como ele “Não me arrependo de nada do que fiz. Mais: eu sou aquilo que fiz. Embora com reservas acreditava o suficiente no que estava a fazer, e isso é que fica.”? (entrevista a Viriato Teles, in «O Jornal», 27/4/84).
Cremos que não. O peso da omissão custa-nos tanto quanto lhe custava a ele a omissão de um povo constrangido pela opressão externa, a par da interna. Os gritos que hoje se ouvem comovem-nos? Ou esbarram na cortina do silêncio?
“Quando as pessoas param há como que um pacto implícito com o inimigo, tanto no campo político, como no campo estético e cultural. E, por vezes, o inimigo somos nós próprios, a nossa própria consciência e os alíbis de que nos servimos para justificar a modorra e o abandono dos campos de luta” (dizia ele ainda na mesma entrevista).
É talvez com este registo que nos devemos demorar.
Talvez devêssemos demorar-nos na enormidade da força de uma canção.
Talvez devêssemos gritando a cantar.
Talvez devêssemos Ser, de novo, “O rosto da utopia”.
Como o Zeca.
Afinal, já lá vão 25 anos. E hoje o seu grito é o nosso grito. Há que fazer dele a nossa canção.
Por:
Anabela Melão

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