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domingo, 16 de janeiro de 2011

Cavaco bipolar

Num dos debates da pré-campanha, o candidato-presidente afirmou que para alguém ser tão honesto como ele teria de nascer duas vezes. A expressão, sinónimo de uma mudança radical de vida, usa-se para designar crentes que se atribuem uma vida de pecado e se convertem com virulenta convicção. Tem pois a ver com a passagem para o oposto, em discurso e acção, do que se defendeu e praticou.
Ora quem acompanhe o percurso público de Cavaco não pode deixar de reparar que se há alguém que parece renascer todos os dias, e até várias vezes ao dia, é o candidato-presidente. Ao ponto de nos fazer temer um distúrbio psíquico. Temos pois um candidato-presidente que na mesma frase se congratula por o leilão da dívida pública estar a correr bem e agoira a existência próxima de uma crise económica, social e, sublinha, política; que avisa ser fundamental ter cuidado com o que se diz "por causa dos mercados" mas se promove como sendo o homem providencial para a borrasca que anuncia - e previsivelmente quer desencadear.
Um candidato que num dia diz que só ele fala verdade sobre a situação do País, insinuando que o Executivo mente, para no seguinte aconselhar: "Não devemos atrapalhar o trabalho que o Governo está a fazer." Um presidente que promulga as novas regras de contratualização do Estado com o ensino privado e na campanha acolhe os protestos dos colégios privados contra essas regras; que, para justificar o não veto do casamento das pessoas do mesmo sexo, afirma num fórum radiofónico não poder, de acordo com o seu entendimento da função, exarar vetos ideológicos, quando mais não fez que proclamar, em vetos e notas a promulgações, a sua particular ideologia. Um candidato que se garante "acima dos partidos" e que apadrinhou a mais canalha manobra de derrisão das instituições já vista em democracia, permitindo, sem um ai, que, a um mês das legislativas de 2009, se afirmasse que temia estar a ser vigiado/escutado pelo Governo, tendo de seguida promovido o seu assessor comprovadamente envolvido no caso; um candidato que se arroga "da verdade" mas recusa prestar quaisquer esclarecimentos sobre um negócio chorudo feito com um banqueiro acusado de desviar criminosamente dinheiro alheio para beneficiar "pessoas importantes". Um candidato que diz não responder a perguntas que reputa de insultuosas enquanto chama louco a quem pergunta.
É tudo política, dir-se-á, como quem diz que a política é contradição, mentira e pulhice, e que quanto mais escorregadio e falso se for mais eficaz e mais bem sucedido se será nessa área. Faz sentido, então, que quem tem da política essa noção torpe e faz dela a sua vida há 30 anos, propondo-se para mais cinco, se esmere em renegar o que é e faz - como quem renasce. Mas não: Cavaco só há um, o presidente que quer governar. E que para isso fará - já o provou - o que for preciso.
De: Fernanda Câncio

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