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quinta-feira, 12 de novembro de 2009

AGRADECIMENTO ETERNO A ÁLVARO BRASILEIRO


Passaram seis meses desde que uma das figuras mais emblemáticas da história do nosso concelho e da democracia nacional nos deixou. Meio ano, sem um Homem fantástico não só pela simpatia e admiração com que abordava qualquer Ser a si semelhante que partilhasse ou não das suas ideias políticas.
Álvaro Brasileiro foi uma “personagem” da nossa vida politica, a todos ensinou muito, como o teor das palavras LUTA, IDEAL, e RESPEITO.
Tirei o Curso Superior de Comunicação Social, e fui confrontada com o desafio de na minha primeira entrevista para um trabalho escolar, escolher alguém com algo para contar e que transmitisse o interesse jornalístico do trabalho. Lembrei-me desde logo do Camarada Álvaro pois, já me tinha transmitido tanto, e gostava que mais pessoas pudessem ter o privilégio de conhece-lo, nem que fosse por uma simples entrevista. Propus ao Camarada a entrevista e ele aceitou de imediato, facilitou-me imenso o trabalho, pois eu que só tinha 20 minutos para entrevistar, podia ficar horas em conversa com ele, assim como fiquei, tendo de desligar o gravador e continuar, continuar, continuar… a ouvir o que ele tinha para contar. Estava frio na sua sala de estar, mas logo este frio foi esquecido e substituído por uma viagem a tempos que já lá vão e aos quais devemos muito do que somos hoje em dia. Vivi todas as palavras ditas pelo Camarada, e por isso mesmo decidi prestar homenagem a este grande Homem, que nos deixou demasiado cedo, pois muito tinha para nos ensinar.
O trabalho que ele me cedeu valeu-me uma excelente avaliação, que é mínima perante o privilégio do que aprendi num bocadinho de tempo despendido por este Ser Maravilhoso.
Partilho agora convosco a entrevista que também foi publicada na altura, no Jornal Voz de Alpiarça, em tom de agradecimento eterno ao Camarada Álvaro Favas Brasileiro.

Andreia Cristina da Costa Sancho
Licenciada em Comunicação Social


Entrevista com Álvaro Favas Brasileiro

Resistente antifascista e ex-deputado da Assembleia da República

“Valeu a pena ser deputado”

Homem descendente de famílias humildes, com poucos estudos, mas uma grande experiência de vida marcada por alguns momentos negros de repressão e restrição da liberdade e outros de grandes alegrias. Dele, dizem ser um lutador, e apaixonado pela liberdade. Dizem também que todos devemos a este homem e a outros que como ele, nos deram a liberdade de pensar e de agir. Admirado por todos os que com ele viveram a grande aventura da Revolução, e por aqueles com quem ele partilha as suas memórias. É considerado um homem do passado, que nos dá o presente, e nos encaminha para o futuro.
Andreia – Quem é Álvaro Favas Brasileiro?
Álvaro Favas Brasileiro – Álvaro Favas Brasileiro nasceu em 1935, estando hoje com 71 anos de idade. É filho de pais camponeses, que sempre viveram com muitas dificuldades económicas. Frequentei a quarta classe com distinção, mas devido às dificuldades que se faziam sentir na época, embora quisesse continuar vi-me impedido de o fazer.
A vida na época era miserável, passava-se fome e a liberdade era condicionada. Esta situação revoltava principalmente os jovens. Eu fui feliz por ser um dos poucos a ir à escola, pois não era obrigação estudar. Grande parte dos jovens da época ficavam a executar trabalhos agrícolas juntamente com os pais, em vez de ir à escola. Estes meninos, nunca o foram, pois tiveram de aprender a ser homens muito cedo, sem educação primária. Alguns, hoje, ainda estão a tentar aprender as primeiras letras.
Estas injustiças sempre me revoltaram, e foi por isso que me juntei ao MUD – juvenil (que era um apêndice do Partido Comunista) com apenas 15 anos. A partir desta altura, integrei-me sempre na luta política, tendo feito parte posteriormente das comissões de luta das Praças de Jorna, que era o lugar em que os trabalhadores eram escolhidos pelas entidades patronais para irem trabalhar, como se escolhessem animais para um rebanho. Ser revolucionário e querer trabalhar não era fácil pois os revolucionários assumidos não eram escolhidos e tinham de sair da terra para ir trabalhar para outras pessoas.
Após a revolução de Abril fui eleito vereador da Câmara Municipal de Alpiarça e fui também Candidato à Assembleia da Republica.
Como era Fazer política em clandestinidade?
Vou contar uma história que reflecte as dificuldades por que passámos. Aos 21 anos de idade, era eu militar em Laceres 2, tinha-me sido dado em Alpiarça uma metade de um bilhete de eléctrico que seria a senha para encontrar outros camaradas. Assim, quando cheguei ao meu destino, em Laceres 2, aproximou-se de mim um jovem que trazia consigo a outra metade do bilhete de eléctrico que me faltava. Assim soubemos com quem estávamos pois o bilhete coincidia. Nesta época, não podíamos tratar pelos nomes próprios, tínhamos pseudónimos, e o meu era “Brasa”. O camarada que veio ao meu encontro sabia que ia ter com o “Brasa” mas não sabia quem eu era. O jovem deu-me um volume de panfletos, que eram contra a ida de militares para a Índia, que eu tinha de distribuir no quartel. Para os distribuir, sem ser apanhado, e para que todos tivessem acesso aos panfletos, dividi-os em três partes e atirei cada uma das partes pelas três janelas que se encontravam no primeiro andar do edifício. Assim e com a ajuda do vento os panfletos espalharam-se. Para este tipo de tarefas foi necessário um grande sentido de responsabilidade e grande organização, pois corria-se muitos riscos, incluindo o de se ser preso. Não foi nada fácil exercer política na clandestinidade.
Ainda em clandestinidade, eu apoiei os candidatos Arlindo Vicente, Rui Luís Gomes e o General Humberto Delgado.
O PCP preparava o trabalho eleitoral na retaguarda, as nossas reuniões faziam-se no meio dos campos, em barracas de meloal, longe dos olhares dos repressores. Mas houve uma situação que jamais esquecerei. Estava eu já referenciado pela GNR na Azambuja, quando um agente da GNR, que eu nunca soube quem era, me enviou um recado através de um padeiro, a informar que a GNR já sabia onde era a barraca onde reuníamos. Comecei então a tomar mais precauções.
Em 1973 fui candidato a deputado, pelo Distrito de Santarém, nas listas da CDE (Coligação Democrática Eleitoral), ainda durante a ditadura fascista, o partido entendeu que deveríamos concorrer, correndo o risco de sermos presos, pois estava patente a ideia de eleições livres, que não o eram na realidade,

Como foi a experiência enquanto prisioneiro?
Fui preso político em 1963, após uma tentativa falhada, em 1961,em que a PIDE tentou invadir a minha casa que tinha estreado naquele mesmo dia. Nesta altura existiam brigadas políticas, nas quais era passada a informação de que se a PIDE andasse a invadir casas e a prender alguém para dispararmos três morteiros para o ar como forma de alerta. Foi o que eu fiz, e a PIDE ao sentir o barulho dos morteiros acabou por dispersar. Eu fugi pelos campos fora escondendo-me durante horas em cima de uma árvore. Mas, em 1963, estava eu a trabalhar, e um agente da GNR abordou-me argumentando que eu na noite passada tinha fugido à GNR por não ter luz na bicicleta, levando-me assim para a esquadra. Tinha comigo uns documentos que a PIDE não podia apanhar, e num intervalo em que a GNR me deixou só, comecei a rasgar os papéis aos bocadinhos e a mastigá-los, sem os conseguir engolir. Agarrei na bola de papel, que tinha feito na boca e coloquei no bolso de um casaco que se encontrava perto de mim.
As indicações que o meu partido tinha dado era para destruir todos os documentos para que a PIDE não os apanhasse, e foi o que eu fiz. Fui mandado para a prisão de Aljube onde permaneci preso 56 dias, e onde fui condenado a 16 meses de prisão. E como é claro durante este tempo fui vítima de torturas e pressões que a própria história conta.

Já era membro do Partido Comunista, na clandestinidade?
Eu aderi ao MUD-Juvenil juntamente com outros colegas com apenas 15 anos, por estar revoltado com a situação que se fazia sentir no nosso país Nós embora muito “verdinhos”e com medo da repressão”, após as primeiras reuniões começámos a “calejar”, distribuindo clandestinamente panfletos pelas casas. Só em 1961 é que aderi de verdade ao PCP, embora já fizesse parte de uma das suas dependências.

Como recorda hoje a Revolução do 25 de Abril de 1974?
Estava nos campos agrícolas em Vila Franca de Xira, quando ouvi na rádio a informação de que se tinha feito a Revolução. Recebi a notícia com alegria, pois já se sabia que a Revolução algum dia tinha de existir, pois foi para isso que eu e os meus camaradas lutámos e sofremos. Tudo que até então se tinha passado, desde eleições a acções de luta, tinha mexido com o poder de opressão da época. Era tudo uma preparação para um “25 de Abril”. Deu-se neste dia, como poderia ter-se dado noutro dia qualquer.

Na sua perspectiva, houve alguma coisa que falhou, e se sim o quê, no processo revolucionário?
O problema da Reforma Agrária, era uma das grandes lutas que se travou, mas foi falhando, pois não contou com o apoio e seriedade dos governos que se seguiram à Revolução de Abril.

Foi deputado da Assembleia da República, que recorda dessa experiência?
Fui eleito deputado em 1979 e 1985 pela APU (Aliança Povo Unido), de que fazia parte o PCP. Foi uma experiência inesquecível. Fiz parte da comissão parlamentar de Agricultura que hoje em dia já não existe, sendo inédito um camponês ser Presidente da Comissão Parlamentar de Agricultura. Não foi uma experiência fácil, mas fui muito respeitado e apoiado quer pelos deputados do meu partido quer por deputados de outras bancadas parlamentares. Valeu a pena ser deputado da Assembleia.

Que opinião tem sobre a forma como os actuais líderes políticos conduzem a sua actividade?
Muitos políticos de hoje são bastante teóricos, sem experiência e preparação para desempenhar o trabalho parlamentar. Notei bastante, enquanto fui deputado, que a experiência é muito importante para chegar às teorias. No processo das leis não é importante a sua formulação, mas sim a colocação das mesmas em prática e é nisso que a experiência num deputado é importante. Por esta razão os deputados de hoje são muito diferentes dos deputados no passado. A maior parte não tem responsabilidade, mas há excepções.

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