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segunda-feira, 26 de março de 2012

Os dias que se transformam em meses


 Quando acabou o curso, Mafalda Tavares encontrou uma porta aberta sem nada do lado de lá. Três anos depois de ter terminado a licenciatura em "design", a porta continua a dar para lugar incerto. Mafalda, que tem 24 anos, chama-lhe "o desemprego de portas abertas".
"É lógico que não é animador uma pessoa sair da universidade com o curso na mão e não encontrar nada para fazer. É a antítese daquilo que estamos à espera que aconteça", conta.
Mafalda está num impasse: ou acaba o mestrado que entretanto iniciou ou fica pela pós-graduação. Qualquer que seja a decisão que tome, todo este tempo serviu para descobrir uma paixão que não conhecia - a costura. "[É uma área que] tem potencial de mercado", diz.
Durante a procura de emprego, os dias transformaram-se em meses. Mafalda passou assim a fazer parte de uma estatística que fermenta em Portugal: licenciados que não encontram trabalho na área de formação.
E como Mafalda não quer contribuir para adensar uma outra estatística - a dos que não encontram emprego de todo -, tomou uma decisão. Ao fim de meses sem "um e-mail, nem uma mensagem, nem um telefonema que fosse", conseguiu um "part-time" como assistente de sala no teatro São Luiz, em Lisboa, a recibos verdes. 
Pegar na enxada
Voltar à agricultura é uma via frequentemente apontada como uma das soluções para a crise. O próprio Presidente da República incita os jovens a pegar na enxada, mas Joaquim Imaginário, um engenheiro agrónomo de 32 anos que está sem emprego, sustenta que nada é assim tão simples.  "É tudo muito bonito, mas é preciso financiamento."
"Antigamente", lembra, "a instalação como jovem agricultor dava, a fundo perdido, 40 mil euros". "Hoje já não é assim", lamenta, porque, na altura das "vacas gordas", "as pessoas utilizavam o dinheiro para fazer renovações nos montes, construir piscinas e comprar jipes".
Actualmente, o processo de candidatura a fundos comunitários é tão minucioso que pessoas como Joaquim Imaginário sofrem pelos erros do passado. "À mínima coisa", diz, um projecto fica parado.
Joaquim Imaginário fala da produção de vinhos com a paixão de quem descobriu cedo o que quer da vida. Já correu o país e o mundo nas vindimas, do Douro ao Alentejo, dos Estados Unidos à Nova Zelândia. Trabalhou como enólogo, faz questão de estar nas feiras de vinhos para manter contactos, dá formação a vitivinicultores, mas a dura realidade é que está desempregado e já teve de voltar a viver em casa dos pais. O próximo destino pode ser os Estados Unidos. Até lá, Joaquim faz parte dos mais de 100 mil desempregados em Portugal que contam com uma licenciatura no currículo. 
O café que custa seis euros
Pedro Barros conta que anda a "trabalhar currículos minimalistas" e até coloca a hipótese de omitir a idade, que sente como travão para as entidades empregadoras. Licenciado em História, tem 41 anos, um filho pequeno e o último emprego estável que teve foi em 2008, como livreiro no Centro Cultural Brasileiro, na Baixa de Lisboa.
Tem dificuldade em compreender a falta de resposta do mercado. "Estamos a falar de um currículo que é bastante ecléctico – desde palhaço, a actor, a jornalista, desde ter trabalhado para o grupo PT, até trabalhei no McDonald’s, organizei e produzi eventos…"
Pedro mora em Almada e já só sai de casa "cirurgicamente". A deslocação para a procura de emprego torna-se um paradoxo com o aumento dos transportes. "Vir a Lisboa para uma coisa perfeitamente simpática, nada de luxuoso, cria-me um transtorno terrível", diz. "Um café, a mim, custa-me seis euros".
"A falta de rendimento origina a exclusão social. Eu apercebo-me que devagar, devagarinho, me tenho afastado dos meus amigos." Pedro sente-se a "desaparecer".
Habilitações topo de gama
No caso de Filipa Botelho Moniz, 24 anos, a rasteira surgiu já no estrangeiro. Licenciada em Bioquímica na Universidade de Kent, em Inglaterra, trabalhava para uma farmacêutica quando se viu parte de um despedimento colectivo de mais de quatro mil pessoas.
"Não estava de todo à espera. Foi uma surpresa para todas as pessoas à minha volta. Foi um momento muito forte, porque tinha o presidente desta grande empresa multinacional a falar para centenas de pessoas ao mesmo tempo", conta. "Estávamos todos a receber a mesma notícia e foi um choque enorme. As pessoas ficaram superdepressivas e um bocadinho em pânico."
 Filipa não desanima. "Não me senti mal, porque sou jovem. É fácil dar a volta à minha vida."
Entretanto, soube que foi aceite na Universidade de Oxford para um mestrado. Por isso, só teve de arranjar um plano para cinco meses. Aproveitou o tempo até começar as aulas para viajar e ir a conferências internacionais. 
"Todos temos de comer"
Mafalda, Joaquim, Filipa e Pedro são quatro rostos da geração mais qualificada de sempre e que o país está a pôr em fuga. Os registos do Instituto de Emprego e Formação Profissional indicam que o número de licenciados desempregados que anularam a inscrição nos centros de emprego para emigrar subiu 49,5% entre 2009 e 2011.
Filipa acaba o mestrado em Setembro e diz-se pronta para "outras aventuras". Para a jovem cientista, será altura de apanhar outro avião. Se tudo correr bem, vai conseguir uma das várias bolsas de doutoramento a que planeia candidatar-se e daqui a um ano está nos Estados Unidos, destino que Joaquim também admite.
 Mafalda não descarta a hipótese de sair do país e não se arrepende de se ter licenciado. Para quem esteja agora a pensar candidatar-se à universidade, diz que "deve ir quem queira mesmo". "Senão, então não perca tempo, porque não vale a pena."
Joaquim diz que constata "com pena" que a solução é sair de Portugal. E deixa um alerta: "O sector primário é a base da sociedade, porque, meus amigos, todos temos de comer".
«Renascença»

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