Explicar o fenómeno da República tem-me levado por este País fora, em especial num ano em que se festeja a dita. Como co-fundadora da Academia de Estudos Laicos e Republicanos, dar a compreender o porquê do golpe e a assimilação das mudanças ocorridas na sequência do 5 de Outubro de 1910, é um dos objectivos. Estas mudanças estenderam-se à vida da Igreja, sobretudo através da Lei da Separação do Estado das Igrejas, a começar pelo facto de o Estado deixar de subsidiar o culto católico.
Não aceito que um Estado laico trate de forma diferente as entidades representativas dos vários credos, muito menos em matéria fiscal.
Ora, acontece que, para além de questionar o respeito pelo princípio da laicidade, ainda mais é de evidenciar a questão da inconstitucionalidade da intenção do Governo, contida na proposta do Orçamento do Estado para 2011, de se retirarem benefícios fiscais às instituições religiosas não-católicas, mantendo-os para a Igreja Católica.
Vera Jardim, um dos autores da lei da liberdade religiosa de 2001, veio demandar idêntica questão. Recorde-se que nesta lei se deu acesso a todas as confissões religiosas aos mesmos benefícios fiscais (que a Igreja Católica). Trata-se, no seu entender, além de um "retrocesso muito negativo", e de uma atitude "inconstitucional pela desigualdade e discriminação religiosa que cria".
Tentando atenuar as críticas sobre a medida, Vera Jardim remete para a crise e para a necessidade de cortar benefícios fiscais em período de crise e de contenção, mas reconhece que "Não se pode é fazer discriminação entre a Igreja Católica e as outras religiões", reclamando como "imperativo que rapidamente o Governo clarifique a sua posição". E, por isso, vai questionar esta semana o Ministro das Finanças sobre qual o valor concedido em benefícios fiscais a estas instituições desde que a lei da liberdade religiosa entrou em vigor, e indagar-lhe também quanto é que os portugueses lhes destinam na sua declaração anual de IRS. Fonte oficial do MF afirma que o Governo encaixará 100 milhões de euros com a alteração aos benefícios fiscais das instituições religiosas.
Alguém que revela coerência nas convicções e nas atitudes. E, tratando-se de um dos autores da lei de liberdade religiosa, a qual culminou o processo de separação de poderes civis e religiosos, corolário da República, pelo menos que a ele o oiçam! Uma medida destas em pleno centenário é no mínimo uma facada nas costas dos ideais republicanos e deixa-nos a pensar que os milhares que se gastaram nos festejos sobre o evento soam a alguma hipocrisia.
E nem se pode dizer que é mais uma hipocrisia republicana, porque disso não tem mesmo nada!!
Por: Anabela Melão