É o objectivo anunciado de um decreto-lei publicado ontem, que obriga as empresas com um volume de negócios superior a 10 M de euros a pagar a 30 ou a 60 dias os “produtos alimentares destinados exclusivamente a consumo humano” fornecidos por micro ou pequenas empresas. Os prazos variam consoante se trate de produtos perecíveis ou não perecíveis. Dir-se-á que é uma boa lei, que visa combater más práticas das grandes empresas de retalho, que exploram os pequenos produtores, só lhes pagando depois (por vezes, muito depois) de elas próprias terem vendido os produtos aos consumidores finais (dos quais recebem imediatamente o preço). Mas, na verdade, é uma lei inútil, que apenas gerará mais burocracia e processos judiciais, demonstrando que o governo, apesar das boas intenções, continua a criar leis sem se preocupar com as que estão já em vigor. Uma lei de 2003 estabelece, para todas as empresas, um prazo regra de 30 dias para o pagamento. Este prazo pode ser alargado, por acordo, mas apenas se razões atendíveis o justificarem. Na falta dessas razões, as cláusulas (se existirem) que estabeleçam “prazos excessivos de pagamento” são nulas, aplicando-se o prazo legal (ou outro que o juiz entenda adequado). Através de uma técnica diferente, a lei hoje publicada diz exactamente a mesma coisa. No entanto, ao contrário da lei de 2003, que se aplica a todas as empresas, independentemente da dimensão ou de qualquer procedimento burocrático, a nova lei só se aplicará a micro e pequenas empresas cujo estatuto esteja certificado pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação (IAPMEI) – que até agora servia apenas para permitir ou facilitar a obtenção de determinados apoios públicos - e obrigará à emissão de facturas especiais. Aos micro e pequenos empresários não chega serem pequenos: precisam de um papel de uma entidade pública a garantir que o são. Um micro ou pequeno empresário que dispense tal certificação não beneficiará da nova lei (mas continua a beneficiar da antiga…). Como se não bastasse, cria-se mais uma contra-ordenação, punível com coima que pode chegar a € 44 891,81, cujo processo será instruído pela ASAE e decidido pela Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade (CACMEP). Cada uma desta entidades embolsará 20% de cada coima aplicada.
O resumo oficial, “em português claro”, pode ser lido aqui: além de traduzir “estabelecimento de restauração e bebidas” por “restaurante, café, bar, pastelaria ou semelhante” e refere-se a uma “taxa definida anualmente pelo Governo“, desde 2004 (0u 2005, pois a Portaria de 2004 foi, imagine-se, publicada na série errada do Diário da República…) não é definida pelo Governo nem anualmente (a taxa varia automaticamente de 6 em 6 meses, em função das taxas de juro do BCE).
C.L.