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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Separação de Poderes

Vivemos num regime político assente na separação de poderes. Um sistema imperfeito, certamente, mas o melhor que a humanidade foi até hoje capaz de conceber e para o qual não foi encontrada alternativa melhor.

O princípio de que alguém directamente eleito pelo povo fica investido do poder de legislar em seu nome, de que a outrem, por delegação da maioria dos eleitos, é atribuído o poder de executar e que, um terceiro poder, independente dos restantes, fica incumbido de punir pelo incumprimento das normas emanadas dos restantes, é de facto uma enorme conquista civilizacional de que temos o privilégio de beneficiar.

Sucessivas gerações de compatriotas que nos precederam não tiveram essa sorte e muitos milhares de milhões de seres humanos não a têm, nem a terão provavelmente no decurso das suas vidas.

Nesta arquitectura aparentemente perfeita das sociedades democráticas há, contudo, um aspecto que sempre me suscitou interrogações. Se os titulares do poder legislativo (parlamentos) e os do poder executivo (membros do Governo) são directa ou indirectamente, periodicamente escolhidos e julgados pelo povo, por que razão, quem escolhe e avalia os titulares do terceiro poder são eles próprios?

E esta minha inquietação tem vindo a assumir uma dimensão tanto maior quanto se multiplicam os “casos” da justiça e alguns magistrados se envolvem na actividade política, de que são exemplos eloquentes as declarações incendiárias produzidas nos últimos dias pelos líderes das suas duas organizações sindicais.

A primeira perplexidade decorre desde logo do facto de titulares de órgãos de soberania terem sindicatos. Porque razões deverão existir sindicatos ou associações sindicais de magistrados judiciais e do ministério público e não de membros do governo ou de deputados? Porque razão parece ridícula e absurda a segunda hipótese e se aceita como natural a primeira?

Outra perplexidade reside no conteúdo das declarações produzidas por tais “sindicalistas”, considerando-se, e à sua “classe”, descriminados, alvos de retaliação e vítimas dos outros poderes, só porque lhes foi aplicado o mesmo plano de austeridade a que têm de se submeter os demais agentes do Estado, a começar pelos próprios titulares dos outros órgãos de soberania.

São espantosas e até obscenas tais declarações quando se sabe que esta “classe”, ou pelo menos uma parte dela, beneficia de vantagens acrescidas desde a idade de reforma, passando por subsídios de residência até um sistema de saúde mais favorável.

Esta semana o Conselho da Europa divulgou um relatório sobre o estado da justiça em 45 países europeus, segundo o qual a remuneração dos juízes em fim de carreira em Portugal é 4,2% superior á media salarial nacional, isto é, o dobro do que sucede na Bélgica, França, Finlândia, Noruega, Suécia, Áustria, Holanda, Dinamarca ou mesmo na Alemanha.

O mesmo relatório revela ainda que Portugal é o 2º país com o rácio mais elevado de profissionais de justiça em relação à população e o 3º com mais procuradores e com o rácio mais elevado de juízes e procuradores.

Em contrapartida tem o 2º pior desempenho no que diz respeito ao encerramento de casos pendentes.

Há poucos dias foi reaberto um novo processo de revisão constitucional.

Não haverá entre os nossos deputados, agora constituintes, ninguém com imaginação ou criatividade bastantes para encontrar uma qualquer fórmula que permita submeter os titulares do terceiro e fundamental poder do Estado de Direito a um escrutínio democrático equivalente aquele que é exigido aos titulares dos poderes legislativo e executivo?

Por: Capoulas Santos – (Capoulas dos Santos começa com a publicação deste texto a colaborar periodicamente com este jornal). * Este artigo também pode ser lido no blogue pessoal do autor