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quarta-feira, 16 de junho de 2010

ÉTICA E CORRUPÇÃO (A PROCURA DO SANTO GRAAL)

Artigo de Opinião

Por: Anabela Melão

Um dos temas fracturantes mais actual é a ética, ou melhor, a falta dela. Devíamos dar de barato que um político é um cidadão cuja principal responsabilidade é a de bem realizar o interesse público. Provavelmente foi porque o demos de barato que essa presunção nos tem custado demasiado caro. A falta de ética promove, impulsiona, fomenta e apela à corrupção. E esta é, seguramente, o mais elevado imposto que pagamos. Porque a corrupção importa um custo acrescido nos serviços que adquirimos. Integra a rubrica custos, na maior parte dos projectos e empreendimentos, sob as mais variadas denominações, desde as conhecidas “luvas” até “despesas de representação”.

De tudo isto resulta que a ideia de exercer uma militância política activa com vista a entrar na vida pública" ou no "serviço público" nem sempre seja acompanhada pela força do "interesse público". Conhecem-se casos em que confessadamente não é a remuneração oficial o leitmotiv para aceitar este ou aquela cargo ou função, mas sim os “suplementos” oficiosos, as que se aportam como sendo usuais e inerentes ao exercício daquele cargo ou função. O "sector público" é, assim, cada vez mais sinónimo de oportunismo: a oportunidade para realizar interesses pessoais. A "coisa pública", em vez de olhada como sendo "de todos", é tratada como sendo "de ninguém". Daí que “é fartar vilanagem”. Gerou-se um fenómeno social, o da suspeição, sobre quem exerce cargos públicos. Enriquecem irmãos, primos, sobrinhos, mulheres (ex e actuais), sogras e compadres, para não dar nas vistas só o próprio mantém a mesma camisa. A corrupção política levou a crise do "público" a um limite insustentável.

O que nos remete para a urgência de uma consciência ética. Do público, exercendo, através da cidadania activa, um grau de verificação, controlo, fiscalização, sobre os sinais exteriores de riqueza apresentados por quem está no “sector público”. Não sou grande apologista da criação de conselhos, comissões e comités, até porque acontece que quem os integra teria, nalguns casos, dificuldades em explicar como a sorte lhe bafejou à porta de um dia para o outro. Recordemo-nos de O Independente, um exemplo de jornalismo de investigação que levantou uns véus … (curiosamente Helena Sanches Osório, a sua mentora, já falecida, era minha irmã de “armas”, digamos assim, que quem vai acompanhando as minhas crónicas, sabe do que falo).

A ética exige, portanto, a ampliação da cidadania. A efectivação da cidadania e a consciência colectiva dessa condição são indicadores do desenvolvimento moral e ético de uma sociedade, mais do que o elenco de princípios fundamentais e de direitos definidos na Constituição, demasiado programáticos e nem sempre reais. A política deve assumir como um dos seus maiores objectivos a realização plena dos direitos humanos, a começar pela cidadania. O projecto da política haveria de ser o de realizar a ética, numa linha de convergência com a vontade colectiva dos cidadãos. Em suma, com o interesse público.

A corrupção não pode ser vista senão pelo que é: a perversidade da vida económica e da vida política de uma sociedade; a subversão dos valores social e culturalmente assumidos; o contrafluxo destruidor da ordem social; a negação radical da ética.
A corrupção pode, se cruzarmos os braços, investir-se em conformismo social. Cada época tem as suas buscas, enfrenta os seus desafios. Ainda hoje há quem acredite no Santo Graal e demande a sua procura. Pois a história recente é bem demonstrativa de que o investimento na ética se impõe. A ética, e sobretudo, a ética política, tornou-se o actual Santo Graal. Ou os cidadãos (re)aprendem a reagir activamente e os responsáveis legais a agir exemplarmente, e o sistema judicial a actuar sem concessões ou impunidades, ou o País continuará a avançar para um óbvio processo de desagregação de valores. E porque a ética é um dos grandes valores da civilização e um imperativo do político, cumpre a cada cidadão indignar-se, resistir e combater este fenómeno corrosivo. Mais, elegê-lo como o maior, mais premente e urgente desafio ético.

Sem isso, meus amigos, nada feito (ou tudo feito, dependendo do lado que se está).

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