Artigo de Opinião
Por: Anabela Melão
É obvio que não se comparam, nem enquanto pessoas nem enquanto políticos, Mário Soares e Durão Barroso. Mas se há mil diferenças que os separam, talvez não fosse inoportuno recordar que algumas qualidades têm em comum. Mário Soares não teve de se impor como figura da realeza da política nacional, porque o passado lhe valeu o salto para o primeiro lugar do pódio (talvez ex-aequo com Álvaro Cunhal). Durão Barroso teve estratégia política, de Portugal a Bruxelas, um percurso organizado, pensado, trabalhado. A ambos há que reconhecer uma qualidade cada vez mais rara na politiquice nacional: inteligência política.
Ora, o ocorrido este mês aquando da celebração dos 25 anos da adesão europeia, festa tornada garraiada pela troca de galhardetes entre Soares e Barroso, dá que pensar.
Enquanto Mário Soares afirma que "há falta de liderança na União Europeia e mediocridade. Muita mediocridade e falta de coragem", Durão Barroso argumenta que "há líderes de grande qualidade, de média qualidade e de fraca qualidade. Sempre foi assim e sempre será assim".
Reafirma-se que ambos conhecem bem a realidade nacional e muito bem a europeia. Admite-se que, provavelmente, Mário Soares conhece melhor a concepção, a idealização do sonho europeu, e que, também provavelmente, Durão Barroso tem mais a noção, sente mais o palpitar, da realidade europeia. Isto pode bastar para justificar a divergência. Enquanto um mede a qualidade dos lideres europeus pelos lideres que se sonhavam, outro relativiza-os pelos lideres que temos.
"Não façamos generalizações", dizia Barroso. "No plano nacional, no plano internacional, no plano global, há diferentes lideranças", defendeu, reagindo às declarações de Mário Soares. Mas este homem perante o qual mostra tanta discordância é só o primeiro-ministro que assinou há 25 anos o tratado de adesão. Não é um homem qualquer. É um pai-filho do sonho. E se se preocupa com a actual situação da União, dizendo que a Europa vive uma crise sem precedentes, com a qual não sabe lidar: "Faltou inteligência política a todos os actuais dirigentes europeus.", o caso é grave. Apesar de se perceber Durão Barroso quando diz que este é "o momento mais exigente, precisamente porque estamos mais avançados", mas "não se pode dizer que seja pior ou melhor", "É uma situação de tipo diferente, que exige respostas com grande determinação e vontade política", disse o presidente da Comissão Europeia.
Assumido que entre alguns comentadores e intelectuais parece haver uma atmosfera de glamour do pessimismo quando se fala da Europa, e quanto mais pessimistas mais inteligentes aqueles se julgam, dá-se a devida margem de erro e dúvida.
Sem se referir directamente aos líderes europeus da última década, Mário Soares lamentou que a União Europeia se tenha "deixado atrasar, ao contrário dos Estados Unidos", criticou a gestão "paralisada" e "sem coragem para mudar" da actual liderança em Bruxelas. "Pode ser um retrocesso civilizacional tremendo. É preciso reagir e rapidamente. Os actuais políticos parecem não ter coragem", insistiu, pedido aos cidadãos, sindicatos e entidades sindicais que "pressionem sem perda de tempo"
Acresce que um desafio semelhante foi lançado pelo antigo primeiro-ministro espanhol, Filipe González, para quem a actual crise é "um momento da história que vai definir quem são os vencedores e os perdedores". "Para não perdermos o que conseguimos nestes 25 anos, é preciso fazer algo e fazê-lo já", disse o ex-governante. E um dos caminhos que apontou foi a necessidade de "reformar e resgatar o sistema financeiro". Sobretudo porque, diz, ainda "nada mudou no comportamento dos agentes financeiros desde o início da crise".
A mudança deve, segundo Mário Soares, passar pela descoberta de "um novo modelo" europeu. "Já temos um fundo monetário europeu para gerir e quem o gere é um governo económico. E depois? Vem um governo político? É para aí que estamos a caminhar", apontou. José Sócrates entende que "a Europa encontrou resposta para a crise num quadro europeu", e afirma estar "muito confiante na integração política. Tenho a certeza de que a Europa interpretará esta crise como uma necessidade imperiosa de avançar".
Este fim de semana em Arcos de Valdevez, no âmbito da iniciativa “Concelho de Estado”, homenageou-se Mário Soares. Pela vida. Pelo símbolo. O reconhecimento do seu papel na história do País quase que imerece qualquer controvérsia pela avaliação do painel dos interventores (António Almeida Santos, Artur Santos Silva, Manuel Sobrinho Simões, Miguel Veiga e Gonçalo Ribeiro Telles), pelos depoimentos do antigo líder da União Soviética Mikhail Gorbatchev, por videoconferência, e de Frank Carlucci e Ignacio Ramonet, por mensagem escrita. Adita-se a este acervo de figuras absolutamente credíveis como Eduardo Lourenço, Francisco Assis, Jean Daniel, Raúl Morodo, Manuel Ferreira de Oliveira, Federico Mayor Zaragoza, Adriano Moreira, Lobo Antunes, José Pacheco Pereira, Carvalho da Silva e Soromenho Marques, e fica o ramalhete demasiado bem composto para se suscitar qualquer dúvida com a credibilidade de Mário Soares no espaço nacional e internacional.
Em Arcos de Valdevez, Mário Soares mantém a tónica da sua intervenção na necessidade de "políticas convergentes" entre Portugal e Espanha, considerando que "a Europa está desanimada e sem rumo", correndo o risco de se transformar "numa região pobre e sem influência". "A Europa ou é federalista ou não é Europa. Nós temos que caminhar neste sentido senão vamos ser o extremo ocidental da Ásia, uma região pobre e sem influência", avisou o histórico socialista.
Não se comparam, a qualquer nível, grau ou qualidade, Mário Soares e Durão Barroso, mas não deixa de ser preocupante que o ideólogo e o prático se mostrem tão distantes na sua visão do que é e do que pode ser o espaço europeu.
Valha-nos reconhecer a ambos inteligência política. Diferentes inteligências políticas, sem duvida. E, mais diferentes ainda, sensibilidades e bom senso.
Por: Anabela Melão
É obvio que não se comparam, nem enquanto pessoas nem enquanto políticos, Mário Soares e Durão Barroso. Mas se há mil diferenças que os separam, talvez não fosse inoportuno recordar que algumas qualidades têm em comum. Mário Soares não teve de se impor como figura da realeza da política nacional, porque o passado lhe valeu o salto para o primeiro lugar do pódio (talvez ex-aequo com Álvaro Cunhal). Durão Barroso teve estratégia política, de Portugal a Bruxelas, um percurso organizado, pensado, trabalhado. A ambos há que reconhecer uma qualidade cada vez mais rara na politiquice nacional: inteligência política.
Ora, o ocorrido este mês aquando da celebração dos 25 anos da adesão europeia, festa tornada garraiada pela troca de galhardetes entre Soares e Barroso, dá que pensar.
Enquanto Mário Soares afirma que "há falta de liderança na União Europeia e mediocridade. Muita mediocridade e falta de coragem", Durão Barroso argumenta que "há líderes de grande qualidade, de média qualidade e de fraca qualidade. Sempre foi assim e sempre será assim".
Reafirma-se que ambos conhecem bem a realidade nacional e muito bem a europeia. Admite-se que, provavelmente, Mário Soares conhece melhor a concepção, a idealização do sonho europeu, e que, também provavelmente, Durão Barroso tem mais a noção, sente mais o palpitar, da realidade europeia. Isto pode bastar para justificar a divergência. Enquanto um mede a qualidade dos lideres europeus pelos lideres que se sonhavam, outro relativiza-os pelos lideres que temos.
"Não façamos generalizações", dizia Barroso. "No plano nacional, no plano internacional, no plano global, há diferentes lideranças", defendeu, reagindo às declarações de Mário Soares. Mas este homem perante o qual mostra tanta discordância é só o primeiro-ministro que assinou há 25 anos o tratado de adesão. Não é um homem qualquer. É um pai-filho do sonho. E se se preocupa com a actual situação da União, dizendo que a Europa vive uma crise sem precedentes, com a qual não sabe lidar: "Faltou inteligência política a todos os actuais dirigentes europeus.", o caso é grave. Apesar de se perceber Durão Barroso quando diz que este é "o momento mais exigente, precisamente porque estamos mais avançados", mas "não se pode dizer que seja pior ou melhor", "É uma situação de tipo diferente, que exige respostas com grande determinação e vontade política", disse o presidente da Comissão Europeia.
Assumido que entre alguns comentadores e intelectuais parece haver uma atmosfera de glamour do pessimismo quando se fala da Europa, e quanto mais pessimistas mais inteligentes aqueles se julgam, dá-se a devida margem de erro e dúvida.
Sem se referir directamente aos líderes europeus da última década, Mário Soares lamentou que a União Europeia se tenha "deixado atrasar, ao contrário dos Estados Unidos", criticou a gestão "paralisada" e "sem coragem para mudar" da actual liderança em Bruxelas. "Pode ser um retrocesso civilizacional tremendo. É preciso reagir e rapidamente. Os actuais políticos parecem não ter coragem", insistiu, pedido aos cidadãos, sindicatos e entidades sindicais que "pressionem sem perda de tempo"
Acresce que um desafio semelhante foi lançado pelo antigo primeiro-ministro espanhol, Filipe González, para quem a actual crise é "um momento da história que vai definir quem são os vencedores e os perdedores". "Para não perdermos o que conseguimos nestes 25 anos, é preciso fazer algo e fazê-lo já", disse o ex-governante. E um dos caminhos que apontou foi a necessidade de "reformar e resgatar o sistema financeiro". Sobretudo porque, diz, ainda "nada mudou no comportamento dos agentes financeiros desde o início da crise".
A mudança deve, segundo Mário Soares, passar pela descoberta de "um novo modelo" europeu. "Já temos um fundo monetário europeu para gerir e quem o gere é um governo económico. E depois? Vem um governo político? É para aí que estamos a caminhar", apontou. José Sócrates entende que "a Europa encontrou resposta para a crise num quadro europeu", e afirma estar "muito confiante na integração política. Tenho a certeza de que a Europa interpretará esta crise como uma necessidade imperiosa de avançar".
Este fim de semana em Arcos de Valdevez, no âmbito da iniciativa “Concelho de Estado”, homenageou-se Mário Soares. Pela vida. Pelo símbolo. O reconhecimento do seu papel na história do País quase que imerece qualquer controvérsia pela avaliação do painel dos interventores (António Almeida Santos, Artur Santos Silva, Manuel Sobrinho Simões, Miguel Veiga e Gonçalo Ribeiro Telles), pelos depoimentos do antigo líder da União Soviética Mikhail Gorbatchev, por videoconferência, e de Frank Carlucci e Ignacio Ramonet, por mensagem escrita. Adita-se a este acervo de figuras absolutamente credíveis como Eduardo Lourenço, Francisco Assis, Jean Daniel, Raúl Morodo, Manuel Ferreira de Oliveira, Federico Mayor Zaragoza, Adriano Moreira, Lobo Antunes, José Pacheco Pereira, Carvalho da Silva e Soromenho Marques, e fica o ramalhete demasiado bem composto para se suscitar qualquer dúvida com a credibilidade de Mário Soares no espaço nacional e internacional.
Em Arcos de Valdevez, Mário Soares mantém a tónica da sua intervenção na necessidade de "políticas convergentes" entre Portugal e Espanha, considerando que "a Europa está desanimada e sem rumo", correndo o risco de se transformar "numa região pobre e sem influência". "A Europa ou é federalista ou não é Europa. Nós temos que caminhar neste sentido senão vamos ser o extremo ocidental da Ásia, uma região pobre e sem influência", avisou o histórico socialista.
Não se comparam, a qualquer nível, grau ou qualidade, Mário Soares e Durão Barroso, mas não deixa de ser preocupante que o ideólogo e o prático se mostrem tão distantes na sua visão do que é e do que pode ser o espaço europeu.
Valha-nos reconhecer a ambos inteligência política. Diferentes inteligências políticas, sem duvida. E, mais diferentes ainda, sensibilidades e bom senso.
1 comentário:
Mais um interessante artigo de opinião de Anabela Melão, sobrinha (creio) do meu amigo valcavaleiro de longa data Fernando Melão, que ainda jovem partiu para outras paragens da Europa. A última vez que o vi foi... há cerca de trinta anos ...se a memória não me falha.
Recordo-me também do Gabriel...do mestre Melão que fazia poços...enfim, outros tempos outros modos.
Um leitor
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