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domingo, 15 de julho de 2012

Como Relvas se fez doutor

 A candidatura universitária de Miguel Relvas revela, pelo menos, uma característica do atual ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares: Relvas é um homem atento e está próximo dos centros de decisão. Senão, vejamos: o decreto-lei que implementa a Declaração de Bolonha - processo que reduziu a maioria das licenciaturas a três anos, uniformizando o ensino superior na Europa - é publicado a 24 de março de 2006. E logo a 7 de setembro, o então deputado do PSD apresenta o seu pedido de admissão, ao abrigo da nova legislação, ao curso de Ciência Política da Universidade Lusófona.
Miguel Relvas teve, portanto, as férias "grandes" para preparar o processo através do qual documentou o seu percurso no ensino secundário e a sua passagem fugaz pelos cursos de Direito, na Universidade Livre, e de Relações Internacionais, na Universidade Lusíada. Aconselhou-se também com amigos que estavam por dentro dos meandros académicos. Um deles foi Feliciano Barreiras Duarte, atualmente seu secretário de Estado Adjunto que, na época, já era professor de Ciência Política na Lusófona. "Falou comigo como sei que falou com muitas outras pessoas não só sobre esta universidade, mas sobre outras, quando teve conhecimento do processo de Bolonha. O que é normal, nestes casos", explicou à VISÃO.
Feliciano Barreiras Duarte, que é professor na Lusófona desde 1999 e já serviu nos governos de Durão Barroso e de Santana Lopes, foi, de resto, um dos poucos a responder sem reservas às perguntas da VISÃO. Num e-mail que nos enviou, nega qualquer tipo de intervenção na licenciatura obtida por Miguel Relvas em 2007, na Lusófona: "Mesmo que tivesse sido [professor de Relvas], não vejo o que teria de extraordinário. Quem até ao momento foi meu aluno sabe quanto sou rigoroso no cumprimento das regras académicas", declara o atual membro do Governo que, em 2006, era também consultor da administração e reitoria da universidade.
'Currículo rico'
No processo de candidatura, consultado pela VISÃO na passada terça-feira, 10, nas instalações da Universidade Lusófona, no Campo Grande, em Lisboa, Relvas apresenta-se como "gestor" (profissão que, aliás, continua a indicar na biografia que se encontra no site do Parlamento) e solicita a Fernando Santos Neves, à época reitor daquela instituição académica, que aprecie o seu currículo profissional, "tendo em vista o eventual reconhecimento de equivalências, ou de créditos, nos termos aplicáveis, designadamente em conformidade com a Declaração de Bolonha". No que à acreditação de competências diz respeito, o espírito de Bolonha é o de que, de facto, os cidadãos possam requerer a apreciação da sua experiência profissional (bem como da sua formação pós-secundária como, por exemplo, as ações de formação). A lei, omissa em relação ao "como", deixa aos estabelecimentos de ensino superior a definição dos procedimentos a adotar.
No caso concreto da Lusófona, segundo apurou a VISÃO, existem 89 indivíduos com um "canudo" obtido nestes termos, o que corresponde a 0,03% das licenciaturas concedidas por aquela instituição privada. "O que há de incomum no caso de Miguel Relvas é apenas o facto de ele ter solicitado um processo de acreditação de competências", disse à VISÃO uma fonte ligada aos serviços administrativos da Lusófona, sublinhando que existem poucos processos desta natureza.
Os professores que avaliaram o currículo de Miguel Relvas - o antropólogo José Fialho Feliciano, antigo professor catedrático do ISCTE que também lecionou na Universidade Lusófona, e, por inerência de funções, o então reitor Fernando Santos Neves - consideraram que "a informação constante do curriculum do candidato denota uma elevada experiência profissional".
Datado de 6 de outubro de 2006 e assinado pelos dois docentes, o parecer, que também consta do processo consultado pela VISÃO, faz referência a um currículo "rico" em três aspetos: "a longevidade das funções desempenhadas, a natureza das mesmas - maioritariamente de liderança ou grande responsabilidade institucional, e a sua variedade". No final do documento, os relatores recomendam, no entanto, que, dado "o caráter embrionário deste tipo de processos", na atribuição de notas de avaliação, a creditação de competências profissionais seja "complementada com avaliações aferidas por eventuais classificações pós-secundárias ou então se proceda à aplicação de escalas qualitativas". A VISÃO tentou contactar, sem sucesso, Santos Neves, que é atualmente reitor da Universidade Lusófona do Porto e que, no site da instituição, se apresenta como "apóstolo-mor" da Declaração de Bolonha. José Fialho Feliciano também não esteve disponível para falar com a VISÃO. 
Folclores e Templários
Miguel Relvas é, assim, admitido no curso Ciência Política e Relações Internacionais - um curso de três anos, 36 disciplinas nas quais se tem de obter 180 créditos para o concluir. Para os decisores da Lusófona, o currículo de Relvas valeu 160 créditos. Os restantes 20, o aluno despachou-os concluindo, em apenas um ano, as disciplinas de Quadros Institucionais da Vida Económico-Político-Administrativa (do 3.º ano, com 12 valores); Introdução ao Pensamento Contemporâneo (1.º ano, 18 valores); Teoria do Estado da Democracia e da Revolução (do 2.º ano, 14 valores); e Geoestratégia, Geopolítica e Relações Internacionais II (3.º ano, 15 valores).
O currículo que Miguel Relvas entregou na Lusófona está dividido em três grandes áreas: exercício de cargos públicos, de cargos políticos e de "funções privadas, empresariais e de intervenção social e cultural e frequência universitária". Entre os cargos públicos desempenhados, pelos quais lhe são atribuídos 90 créditos, encontra-se, por exemplo, o de deputado durante várias legislaturas, secretário de Estado da Administração Local no XV Governo constitucional e membro da delegação portuguesa da NATO. No que se refere aos cargos políticos, Miguel Relvas apresenta as suas competências como secretário-geral do PSD e membro da Comissão Política do partido, tendo-lhe sido dada equivalência a quatro cadeiras. No último capítulo, pelo qual lhe são atribuídas dez cadeiras e um seminário/estágio, Miguel Relvas elenca as funções privadas.
Em agosto de 2005, o atual ministro deixou de ser deputado em exclusividade e começou a trabalhar como consultor: primeiro na Société Générale de Surveillance; depois na sociedade de advogados Barrocas, Sarmento, Neves (janeiro de 2006) e na Roff-Consultores Independentes (junho 2006). Quanto ao cargo de administrador da GIBB-Prointec Brasil, menciona-o no pedido à Lusófona, mas à comissão parlamentar de Ética só o refere em novembro de 2007, quando cessa funções e passa a ser consultor da GIBB Portugal.
Para obter o canudo, Relvas faz-se ainda valer dos cargos de vice-presidente do Instituto Francisco Sá Carneiro; de presidente da Assembleia-Geral da Associação de Folclores da Região de Turismo dos Templários e diretor da revista Templários Turismo (anexas ao processo estão, inclusivamente, fotocópias de algumas páginas da revista); e de "conferencista convidado". O atual ministro Adjunto faz referência à frequência dos cursos de Direito e de Relações Internacionais, na última alínea das suas competências. Por onde, porventura, começaria o currículo de um estudante com um percurso um pouco mais tradicional ou, pelo menos, de um estudante que não apresentasse a sua candidatura aos 45 anos.
PSD, um partido dividido
As bases do PSD começam a acusar o desgaste do primeiro ano de Governo. Os "não-assuntos" que têm envolvido Miguel Relvas - do "superespião" à "turbolicenciatura", como são referidos no interior do partido - estão a fazer as suas mossas. Mas não são caso único. "O desconforto relativamente ao Governo vai muito para além de Miguel Relvas. Ele pode ser um pretexto para mexer na ferida, mas há mais que isso", refere um ex-dirigente social-democrata. "A questão curricular do ministro Adjunto só vem acentuar a ideia que se tem de que este é um Governo impreparado." Uma parte do PSD está a afastar-se do Executivo por discordar da receita de excesso de austeridade e por perceber que ela não está a dar os resultados anunciados. "As divisões internas no partido já passaram a fase das gafes do Álvaro ou dos casos de Relvas. Têm mais a ver com o fraco desempenho económico em relação aos sacrifícios pedidos", acrescenta a mesma fonte. Mas se existem divisões é porque, além das vaias e assobios, há uma parte do PSD que apoia e defende a equipa laranja. E entre esses, a teoria mais comum é a de que o ministro dos Assuntos Parlamentares está a ser vítima dos que tentam influenciar o processo de privatização da RTP. Por enquanto, Relvas não tem razões para temer pelo futuro. Ainda vigoram as declarações do primeiro-ministro que, em finais de maio, disse, no Parlamento, manter toda a confiança no seu braço-direito. Abdicar dele? Só se ele decidir abandonar "o Governo por uma outra razão da sua vontade", garantiu Passos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Outros textos que explicam a licenciatura do "Dr " Relvas:

http://www.publico.pt/Pol%C3%ADtica/so-um-dos-quatro-professores-de-relvas-o-avaliaram-e-lusofona-ameaca-com-processos-1553836

Acho mais interessante este artigo pois saltou-me à vista um nome: António Filipe, deputado do PCP.

Tal como a acumulação de cargos dos deputados municipais do PCP, não é ilegal à face da lei, mas é imoral.
Porquê?
Porque quem "prega" e defende no discurso a escola pública, quem vê em qualquer medida tomada pelos últimos governos em relação ao ensino, ataques à escola pública e favorecimento dos privados é estranho que para complementar o "pobre" ordenado de deputado, com direito a BMW da A.R., e demais mordomias, tenha necessidade de vender a alma ao diabo (leia-se aos privados).
Por essas e por outras é que quem não tem rabos de palha pode dizer à boca cheia que pregam uma coisa e praticam outra.
No discurso são todos muito politicamente correctos. Quando chega à prática, comunistas, socialistas, sociais democratas, democratas cristãos é o "venha a nós"...
Verdades incómodas, não? Ou a apregoada superioridade moral do comunismo é esta?