A candidatura universitária de Miguel Relvas revela, pelo menos, uma
característica do atual ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares:
Relvas é um homem atento e está próximo dos centros de decisão. Senão,
vejamos: o decreto-lei que implementa a Declaração de Bolonha - processo
que reduziu a maioria das licenciaturas a três anos, uniformizando o
ensino superior na Europa - é publicado a 24 de março de 2006. E logo a 7
de setembro, o então deputado do PSD apresenta o seu pedido de
admissão, ao abrigo da nova legislação, ao curso de Ciência Política da
Universidade Lusófona.
Miguel Relvas teve, portanto, as férias
"grandes" para preparar o processo através do qual documentou o seu
percurso no ensino secundário e a sua passagem fugaz pelos cursos de
Direito, na Universidade Livre, e de Relações Internacionais, na
Universidade Lusíada. Aconselhou-se também com amigos que estavam por
dentro dos meandros académicos. Um deles foi Feliciano Barreiras Duarte,
atualmente seu secretário de Estado Adjunto que, na época, já era
professor de Ciência Política na Lusófona. "Falou comigo como sei que
falou com muitas outras pessoas não só sobre esta universidade, mas
sobre outras, quando teve conhecimento do processo de Bolonha. O que é
normal, nestes casos", explicou à VISÃO.
Feliciano Barreiras Duarte, que é professor na Lusófona desde 1999 e
já serviu nos governos de Durão Barroso e de Santana Lopes, foi, de
resto, um dos poucos a responder sem reservas às perguntas da VISÃO. Num
e-mail que nos enviou, nega qualquer tipo de intervenção na
licenciatura obtida por Miguel Relvas em 2007, na Lusófona: "Mesmo que
tivesse sido [professor de Relvas], não vejo o que teria de
extraordinário. Quem até ao momento foi meu aluno sabe quanto sou
rigoroso no cumprimento das regras académicas", declara o atual membro
do Governo que, em 2006, era também consultor da administração e
reitoria da universidade.
'Currículo rico'
No processo de candidatura, consultado pela VISÃO na passada
terça-feira, 10, nas instalações da Universidade Lusófona, no Campo
Grande, em Lisboa, Relvas apresenta-se como "gestor" (profissão que,
aliás, continua a indicar na biografia que se encontra no site do
Parlamento) e solicita a Fernando Santos Neves, à época reitor daquela
instituição académica, que aprecie o seu currículo profissional, "tendo
em vista o eventual reconhecimento de equivalências, ou de créditos, nos
termos aplicáveis, designadamente em conformidade com a Declaração de
Bolonha". No que à acreditação de competências diz respeito, o espírito
de Bolonha é o de que, de facto, os cidadãos possam requerer a
apreciação da sua experiência profissional (bem como da sua formação
pós-secundária como, por exemplo, as ações de formação). A lei, omissa
em relação ao "como", deixa aos estabelecimentos de ensino superior a
definição dos procedimentos a adotar.
No caso concreto da Lusófona, segundo apurou a VISÃO, existem 89
indivíduos com um "canudo" obtido nestes termos, o que corresponde a
0,03% das licenciaturas concedidas por aquela instituição privada. "O
que há de incomum no caso de Miguel Relvas é apenas o facto de ele ter
solicitado um processo de acreditação de competências", disse à VISÃO
uma fonte ligada aos serviços administrativos da Lusófona, sublinhando
que existem poucos processos desta natureza.
Os professores que avaliaram o currículo de Miguel Relvas - o
antropólogo José Fialho Feliciano, antigo professor catedrático do ISCTE
que também lecionou na Universidade Lusófona, e, por inerência de
funções, o então reitor Fernando Santos Neves - consideraram que "a
informação constante do curriculum do candidato denota uma elevada
experiência profissional".
Datado de 6 de outubro de 2006 e assinado pelos dois docentes, o
parecer, que também consta do processo consultado pela VISÃO, faz
referência a um currículo "rico" em três aspetos: "a longevidade das
funções desempenhadas, a natureza das mesmas - maioritariamente de
liderança ou grande responsabilidade institucional, e a sua variedade".
No final do documento, os relatores recomendam, no entanto, que, dado "o
caráter embrionário deste tipo de processos", na atribuição de notas de
avaliação, a creditação de competências profissionais seja
"complementada com avaliações aferidas por eventuais classificações
pós-secundárias ou então se proceda à aplicação de escalas
qualitativas". A VISÃO tentou contactar, sem sucesso, Santos Neves, que é
atualmente reitor da Universidade Lusófona do Porto e que, no site da
instituição, se apresenta como "apóstolo-mor" da Declaração de Bolonha.
José Fialho Feliciano também não esteve disponível para falar com a
VISÃO.
Folclores e Templários
Miguel Relvas é, assim, admitido no curso Ciência Política e
Relações Internacionais - um curso de três anos, 36 disciplinas nas
quais se tem de obter 180 créditos para o concluir. Para os decisores da
Lusófona, o currículo de Relvas valeu 160 créditos. Os restantes 20, o
aluno despachou-os concluindo, em apenas um ano, as disciplinas de
Quadros Institucionais da Vida Económico-Político-Administrativa (do 3.º
ano, com 12 valores); Introdução ao Pensamento Contemporâneo (1.º ano,
18 valores); Teoria do Estado da Democracia e da Revolução (do 2.º ano,
14 valores); e Geoestratégia, Geopolítica e Relações Internacionais II
(3.º ano, 15 valores).
O currículo que Miguel Relvas entregou na Lusófona está dividido em
três grandes áreas: exercício de cargos públicos, de cargos políticos e
de "funções privadas, empresariais e de intervenção social e cultural e
frequência universitária". Entre os cargos públicos desempenhados,
pelos quais lhe são atribuídos 90 créditos, encontra-se, por exemplo, o
de deputado durante várias legislaturas, secretário de Estado da
Administração Local no XV Governo constitucional e membro da delegação
portuguesa da NATO. No que se refere aos cargos políticos, Miguel Relvas
apresenta as suas competências como secretário-geral do PSD e membro da
Comissão Política do partido, tendo-lhe sido dada equivalência a quatro
cadeiras. No último capítulo, pelo qual lhe são atribuídas dez cadeiras
e um seminário/estágio, Miguel Relvas elenca as funções privadas.
Em agosto de 2005, o atual ministro deixou de ser deputado em
exclusividade e começou a trabalhar como consultor: primeiro na Société
Générale de Surveillance; depois na sociedade de advogados Barrocas,
Sarmento, Neves (janeiro de 2006) e na Roff-Consultores Independentes
(junho 2006). Quanto ao cargo de administrador da GIBB-Prointec Brasil,
menciona-o no pedido à Lusófona, mas à comissão parlamentar de Ética só o
refere em novembro de 2007, quando cessa funções e passa a ser
consultor da GIBB Portugal.
Para obter o canudo, Relvas faz-se ainda valer dos cargos de
vice-presidente do Instituto Francisco Sá Carneiro; de presidente da
Assembleia-Geral da Associação de Folclores da Região de Turismo dos
Templários e diretor da revista Templários Turismo (anexas ao processo
estão, inclusivamente, fotocópias de algumas páginas da revista); e de
"conferencista convidado". O atual ministro Adjunto faz referência à
frequência dos cursos de Direito e de Relações Internacionais, na última
alínea das suas competências. Por onde, porventura, começaria o
currículo de um estudante com um percurso um pouco mais tradicional ou,
pelo menos, de um estudante que não apresentasse a sua candidatura aos
45 anos.
PSD, um partido dividido
As bases do PSD começam a acusar o desgaste do primeiro ano de
Governo. Os "não-assuntos" que têm envolvido Miguel Relvas - do
"superespião" à "turbolicenciatura", como são referidos no interior do
partido - estão a fazer as suas mossas. Mas não são caso único. "O
desconforto relativamente ao Governo vai muito para além de Miguel
Relvas. Ele pode ser um pretexto para mexer na ferida, mas há mais que
isso", refere um ex-dirigente social-democrata. "A questão curricular do
ministro Adjunto só vem acentuar a ideia que se tem de que este é um
Governo impreparado." Uma parte do PSD está a afastar-se do Executivo
por discordar da receita de excesso de austeridade e por perceber que
ela não está a dar os resultados anunciados. "As divisões internas no
partido já passaram a fase das gafes do Álvaro ou dos casos de Relvas.
Têm mais a ver com o fraco desempenho económico em relação aos
sacrifícios pedidos", acrescenta a mesma fonte. Mas se existem divisões é
porque, além das vaias e assobios, há uma parte do PSD que apoia e
defende a equipa laranja. E entre esses, a teoria mais comum é a de que o
ministro dos Assuntos Parlamentares está a ser vítima dos que tentam
influenciar o processo de privatização da RTP. Por enquanto, Relvas não
tem razões para temer pelo futuro. Ainda vigoram as declarações do
primeiro-ministro que, em finais de maio, disse, no Parlamento, manter
toda a confiança no seu braço-direito. Abdicar dele? Só se ele decidir
abandonar "o Governo por uma outra razão da sua vontade", garantiu
Passos.
1 comentário:
Outros textos que explicam a licenciatura do "Dr " Relvas:
http://www.publico.pt/Pol%C3%ADtica/so-um-dos-quatro-professores-de-relvas-o-avaliaram-e-lusofona-ameaca-com-processos-1553836
Acho mais interessante este artigo pois saltou-me à vista um nome: António Filipe, deputado do PCP.
Tal como a acumulação de cargos dos deputados municipais do PCP, não é ilegal à face da lei, mas é imoral.
Porquê?
Porque quem "prega" e defende no discurso a escola pública, quem vê em qualquer medida tomada pelos últimos governos em relação ao ensino, ataques à escola pública e favorecimento dos privados é estranho que para complementar o "pobre" ordenado de deputado, com direito a BMW da A.R., e demais mordomias, tenha necessidade de vender a alma ao diabo (leia-se aos privados).
Por essas e por outras é que quem não tem rabos de palha pode dizer à boca cheia que pregam uma coisa e praticam outra.
No discurso são todos muito politicamente correctos. Quando chega à prática, comunistas, socialistas, sociais democratas, democratas cristãos é o "venha a nós"...
Verdades incómodas, não? Ou a apregoada superioridade moral do comunismo é esta?
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