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domingo, 20 de setembro de 2009

Carta de demissão de um militante com 40 anos de PCP

Domingos Lopes, militante comunista há 40 anos e ex-membro do Comité Central, abandonou o PCP. A decisão foi comunicada à direcção do partido através de uma carta, onde tece duras críticas às opções político ideológicas dos comunistas.Camaradas:Ao cabo de quarenta anos de militância no partido, chegou a hora de dizer, neste momento, adeus.É difícil imaginar-me a escrever-vos por este motivo tão seguro estava da minha filiação e de, tantas vezes, ter pedido a outros que adiassem a decisão de saída para momento posterior.Eu próprio deitei mão de todos os pretextos para um adiamento na vã expectativa que algo acontecesse e as coisas não tivessem de ser resolvidas deste modo.Começo por relatar um facto que nunca pensei que pudesse vir a acontecer no PCP e que revela o modo como a direcção encara e lida com os seus militantes.Até hoje, tendo em vista as novas eleições, ninguém me contactou, mas fizeram constar que eu tinha recusado o cargo e por isso foram obrigados a candidatar outro.O mais triste é que esta direcção já não é sequer capaz de assumir a divergência e muito menos a exclusão. O que se passou? O que se está a passar?A lenta mas inexorável transformação de um grande partido nacional num partido de fé.Participei no processo que levou o partido de três a quatro mil militantes a um partido que chegou a ter duzentos mil.Os militantes eram um verdadeiro elo de ligação do partido aos centros mais dinâmicos e decisivos da sociedade.Essas gerações de jovens, mulheres e homens estavam profundamente ligadas aos trabalhadores e outras camadas sociais, designadamente, à juventude e à intelectualidade.Enquanto funcionou esta ligação dos militantes à direcção, levando-lhe a realidade da vida e os seus contextos, trazendo da dialéctica da discussão o melhor rumo para a acção, as coisas estiveram bem, apesar das múltiplas contrariedades.Quando o avanço da direita limitou o espaço do partido e os militantes se confrontaram mais intensamente com a vida interna, surgiram diversos casos, cuja resolução, à distância do tempo, permite vislumbrar um processo em que em vez de se tentar estancar o afastamento de militantes, antes se facilitou com os conhecidos clichés empregados em relação aos menos “seguros”.Ficou claro que o centralismo democrático tal como o entende a direcção do Partido é um modo mais ou menos expedito de controle da linha política por si definida e da promoção dos quadros que com ela se identifiquem.Só assim se entende a obstinação da direcção em promover como “estilo” do PCP o voto de braço no ar para as eleições de cargos directivos. Creio não haver no mundo inteiro outro partido com semelhante prática. É secreto exactamente para permitir ao votante a liberdade máxima de escolha.Só assim se entende o estilo da liberdade total para os militantes se pronunciarem, mas com a certeza de que no final da reunião o camarada responsável irá concluir de acordo com as directivas traçadas pela direcção...independentemente do que disseram os militantes. As reuniões, em geral, servem para confirmar as directivas da direcção.Entretanto os sinais de esperança, que a eleição do camarada Carlos Carvalhas suscitou e a aprovação pelo Comité Central do Novo Impulso, rapidamente foram suplantados por outros de retrocesso.Contrariando a orientação que impunha aos dirigentes do partido a restrição de não falar para a imprensa sem consulta prévia à direcção e fora da sua orientação, A. Cunhal deu conta a jornais estrangeiros, nomeadamente ao El Mundo de Espanha que havia um sector liquidacionista na direcção do PCP.São instaurados processos disciplinares com vista a sancionar destacados militantes dirigentes do partido como Carlos Brito, Edgar Correia, Carlos Luís Figueira. Estes factos abalaram profundamente o partido.Este processo de “purificação” tem levado à saída de centenas de quadros do partido.No plano internacional, como é bem sabido, a direcção do PCP sempre apresentou a URSS e os países socialistas em geral como exemplo. Persistiu até ao fim nesse enfoque da exemplaridade dos países socialistas.Porém, a derrocada daquele projecto agudizou os conflitos internos. Mas dentro do partido, a resposta num primeiro momento foi corajosa, só que, na prática, significou uma tentativa de manter as fraternais relações com o PCUS e de amortecer a insatisfação gerada com os acontecimentos e a respectiva falta de explicação.O último Congresso do partido passou uma esponja pelo congresso extraordinário de Loures, o que confirma o que acabámos de escrever.O PCP continua a ser o único partido no mundo que mantém o apoio à invasão da Checoslováquia, em 1969, pelas tropas do Pacto de Varsóvia, ao golpe militar da Polónia que levou Jaruzelsky ao poder, à invasão do Afeganistão pelas tropas da URSS.Como se pode continuar a defender que as tropas do Pacto de Varsóvia invadiram, há quarenta anos, a Checoslováquia para defender o socialismo contra os trabalhadores e a população de Praga? Com que autoridade politica e ética pode a direcção do PCP continuar a defender essa invasão, quando todos os partidos dos países daquele Pacto já condenaram a sua própria conduta, incluindo o então Partido Comunista da Checoslováquia?Quando os trabalhadores e o povo não defendem o socialismo do ataque dos seus inimigos, algo vai muito mal e a História demonstrou que por mais bem-intencionados que tenham sido as invasões (se é que foram), acabaram por não resultar.A direcção do PCP considera, de acordo com o seu último congresso, que países como Coreia do Norte e China se orientam para o socialismo quando o primeiro não passa de uma ditadura familiar brutal que abusivamente se apoderou do simbolismo do socialismo para o ridicularizar e em vez de garantir a alimentação da população, gasta os seus recursos na loucura da corrida ao armamento atómico ; o segundo emerge como uma ditadura do aparelho do partido e do aparelho militar com vista à implantação do capitalismo com o mínimo de sobressaltos sociais.A direcção do Partido escudou-se numa espécie de cartilha verbalista pseudorevolucionária cujo objectivo principal é manter o seu poder no partido mesmo à conta do afastamento de milhares de militantes e dirigentes.A direcção do PCP deixou de se preocupar com a orientação ideológica dos seus militantes, substituindo-a pela fidelidade a um receituário de slogans verbalistas, totalmente desligados da vida.A direcção do partido abandonou o projecto sindical unitário que corajosamente defendeu durante dezenas de anos e que levou , não obstante a criação da UGT pelo PS, PSD , CDS e Companhia, à criação da grande central sindical que é, mesmo no contexto mundial, a CGTP.Essa orientação sectária explica o apoio a listas sindicais do partido para tentar em vão derrotar direcções unitárias, com militantes do partido na direcção.O controleirismo, paradoxalmente, atingiu níveis que nunca se tinham verificado antes do 25 de Abril de 74. Os militantes do partido tinham autonomia dado que não era possível telefonar para a sede a saber o que podiam fazer. Tinham uma orientação geral e aplicavam-na, ajustando-a à realidade.Essa autonomia que o Novo Impulso pretendeu restituir aos militantes ficou pelo caminho, tal foi a resistência do aparelho do partido. Se os militantes militassem e não cumprissem apenas tarefas o partido bem podia dispensar umas boas dezenas de funcionários.A direcção do PCP abandonou toda uma incomparável história de luta pela unidade democrática, em torno da revolução democrática nacional e pela consolidação da revolução de Abril.
A direcção do partido usa hoje as organizações sociais, ao contrário do que era a sua tradição política, para lá colocar os seus homens e mulheres que lhe garantam que essas organizações só farão o que o partido achar que devem fazer, liquidando deste modo a sua matriz plural, dinamizadora de um forte movimento popular de massas.Hoje, a direcção não tem qualquer proposta a fazer às outras formações e forças políticas de esquerda para derrotar a política neo-liberal conduzida pelo PS. Nem sequer já é capaz de o fazer para as eleições autárquicas de Lisboa, como já fez no passado.Quais são as propostas do PCP para fazer sair o país da crise?Está o PCP em condições de sozinho fazer sair o país da crise? Se sim, como vai chegar ao poder?Se não está em condições de o fazer sozinho com quem vai fazê-lo? Qual é a proposta para desvendar os caminhos para sair da crise?Basta atentar na Resolução Politica do último Congresso para se ficar a perceber que o programa do PCP é o reforço do PCP. Mas esse reforço, que se compreende, a que se destina?Uma política de esquerda passa seguramente por uma ruptura com a política do PS/Socrates. Mas PCP e BE não chegam para formar governo. É ou não preciso algo mais para essa ruptura? Dentro do PS e do seu eleitorado não é possível vislumbrar actores sociais que possam vir dar corpo a uma maioria que rompa com este ciclo?A propósito dos resultados eleitorais das últimas eleições para o Parlamento Europeu,que dizer da análise das votações realizada pelo CC que considera que o facto mais relevante foi o crescimento do PCP … Que o PCP teve mais votos e percentagem é indesmentível, mas tal facto pode esconder que o BE passou o PCP e teve um crescimento enorme em votos, percentagem e deputados? Ainda bem que o PCPcresceu, mas só um sectarismo cego e surdo é que não vê o que todos vêem.Camaradas:Pensei, tal como outros camaradas, que um dia seria possível alterar estes aspectos negativos. Tal como pensam muitos camaradas que permanecerão no partido, animados por essa esperança...É difícil ao fim de tantos anos de militância assumir a ruptura. O mais doloroso de tudo isto é que eu, apesar da idade, considero-me igual ao jovem recrutado pelo mês de Setembro, dos idos anos de 1969, após a extraordinária greve às aulas e exames na Universidade em Coimbra.
Pensei, tal como outros camaradas, que um dia seria possível alterar estes aspectos negativos. Tal como pensam muitos camaradas que permanecerão no partido, animados por essa esperança...É difícil ao fim de tantos anos de militância assumir a ruptura. O mais doloroso de tudo isto é que eu, apesar da idade, considero-me igual ao jovem recrutado pelo mês de Setembro, dos idos anos de 1969, após a extraordinária greve às aulas e exames na Universidade em Coimbra.O meu ideário nada mudou, a não ser a necessidade de repensar as experiências históricas e continuar o combate pelo socialismo em que a liberdade, a democracia, e os direitos políticos, económicos, sociais, e culturais de todo o povo andam de braço dado, como componentes essenciais e inseparáveis.O socialismo que concilie as liberdades e os direitos individuais, com a liberdade e os direitos das grandes massas populares, numa economia onde os sectores chave estarão ao serviço da comunidade.Nestas batalhas que teremos pela frente encontrar-nos-emos de certeza todas e todos os que estão convictos da derrota do capitalismo, da superioridade do socialismo expurgado das perversões que conduziram ao seu fracasso.A riqueza e a vida não cabem obrigatoriamente numa organização. Os caminhos para o socialismo serão cada vez mais variados. As fórmulas que já tinham morrido, morreram. Definitivamente. Caberá aos trabalhadores no seu conjunto e aos cidadãosencontrar os caminhos, ora estreitos, ora largos, que os hão-de libertar do capitalismo.Tal desígnio não está atribuído deterministicamente a este ou àquele núcleo dirigente.Só será possível ser alcançado, quando as grandes massas trabalhadoras se empenharem. Saber perscrustar os contextos sociais e o tempo subjectivo, propor mudanças e transformações amplamente assumidas pela maioria do povo é essencial.Novas batalhas surgirão. A História não acabou.
Lisboa, 07/09/09
Domingos Lopes

Enviada por um leitor deste jornal que extraiu a noticia do Jornal “O Expresso”

7 comentários:

Anónimo disse...

Como é possível acontecerem estas coisas em plena democracia.
É este PCP retrógado e conservador que as pessoas querem a governar a Camara de Alpiarça?
Tenho a certeza que não.
Voltar ao passado nunca mais.
UM ex militante comunista

Anónimo disse...

Como é possível acontecerem coisas destas passados 35 anos após o 25 de Abril.
É ete PCP que algumas pessoas querem meter na Camara de Alpiarça.
Se os próprios militantes chamam retrógado e conservador a este partido, nada mais temos para acrescentar. Esta carta fala por si e é de um destacado e antigo militante. Mais palavras para quê.
Voltar ao passado em Alpiarça, nunca mais.
Um ex militante comunista solidário com Domingos Lopes

Anónimo disse...

Vão uns vêm outros. Faz parte da história de qualquer partido. O ser humano continua a ser um mistério em muitos aspectos.Só que sendo um militante tão antigo do PCP, a coisa tem logo outra repercussão e visibilidade (para quem tem interesse que seja assim,como é evidente.)
Estou a lembrar-me, por exemplo, de Freitas do Amaral, para não citar tantos e tantos mais.

Cito uma frase tão querida de muitos políticos: "Só os burros é que não mudam".

Anónimo disse...

seria interessante publicar todas as cartas de demissão de militantes do PS ou do PSD.
É que sao tantos que ninguem faz noticia disso.
Como é um militante comunista 'cai o carmo e trindade'
sejamos sérios

Anónimo disse...

O PCP é o único partido que lutou pela liberdade, igualdade e democarcia. Tudo que temos hoje, podemos agradecer à luta do PCP e dos seus militantes. Um partido que merece todo o respeito e admiração. A sua história está cheia de sofrimento e uma força especial cujos membros ao longo das décadas nunca desistiram por aquilo em que acreditavam e acreditam.
Então é normal que quando haja uma demissão de um membro com um historial como Domingos Lopes que chame a atenção.
Daqui a diferença do PCO e dos outros partidos. Nos outros é a coisa mais normal haver demisssões, porque parte dos seus dirigentes são uns oportunistas enquanto no PCP existe uma causa de todos conhecidos. Por isto é que o PCP é um grande partido.
O seu único problema, daqui a falta do seu crescimento, é não se actualizar às transformações da sociedade e ser dirigidopor menbros que de maneira alguma aceitam as modernices como todas as alterações da sociedade. Sâo pessoas com mentalidades desaquadas aos tempos modernos, são pessoas com pensamentos ortodoxos e fundamentalistas. Enquanto estes dirigentes não siarem do Comité o Partido Comunista terá sempre dificuldade em expandir-se e muito menos um dia ser Governo.
Quando os mais jovens tomarem conta do PCP não tenho duvidas que então o PCP vai ser um grande partido, mas..talvez já seja tarde de mais.

Anónimo disse...

Como diz o anónimo das 12.51, todo o PCP é ul livro carregado de história. Não tenho duvidas que se um dia fosse publicado as demissões dos seus ilustres militantes daria um livro como ficariamos a saber coisas que não sabemos

Anónimo disse...

Curioso era a concelhia do PCP de Alpiarça escrever um pouco da história dos militantes alpiarcenses.
Lembro-me de alguém que me contou a história de um alpiarcense, que durante 14 anos andou clandestinamente por 14 concelhos do país distribuindo o Avante para ao mesmo tempo ser um membro do “braço armado” do PCP. Este comunista ainda é vivo e muitas histórias deverá ter para contar.
Consta que este alpiarcense era o portador de explosivos que serviam para detonar locais públicos, como foi o caso da Estação de Cais de Sodré.
Sempre ouvi as mais esquisitas historietas deste homem que na sombra do PCP e em nome deste partido tudo fez um pouco de tudo
A imagem que tenho deste lutador é vê-lo de bicicleta pelas ruas de Alpiarça com um palito na boca e de boné na cabeça.
Um curioso