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quinta-feira, 26 de setembro de 2013

As listas independentes e a demissão dos portugueses

Chegam-me diariamente aos ouvidos os protestos de quem contesta, provavelmente com alguma justiça, contra a partidocracia dominante na sociedade portuguesa. E que clamam por mudanças legais que dêem aos cidadãos independentes, que são a larga maioria do país, a possibilidade de terem acesso aos órgãos de representação democrática sem terem de passar pelo crivo partidário. Também ouço e leio os mais tenebrosos retratos da classe política nacional. Ser "político" passou a ser sinónimo de tudo o que de pior pode haver na sociedade. E eles são os responsáveis por todos os nossos males e, curiosamente, por nenhuma das nossas conquistas nos últimos 40 anos.
Há uns anos a lei eleitoral autárquica foi alterada. E passou a permitir a candidatura de listas de cidadãos. Fui um defensor entusiasta desta alteração, e defendo que ela seja alargada às eleições legislativas e europeias. Não porque tenha qualquer sentimento antipartidos. Pelo contrário, penso que será difícil existir democracia sem eles. Mas porque acho que mesmo a democracia representativa não se deve esgotar nas lógicas partidárias.
A verdade é que as listas independentes nasceram como cogumelos nas últimas eleições autárquicas. E, este ano, são ainda mais. Com a possibilidade de vencerem em importantíssimos concelhos como Porto, Matosinhos, Gaia ou Sintra (estão aqui três dos quatro concelhos mais populosos do País), a que se junta Oeiras. Não tivessem ficado pelo caminho por irregularidades processuais, as listas independentes a Gondomar e Guarda teriam vitória quase certa.
Seria uma boa notícia não fosse o caso de grande parte destes fenómenos não ser mais do que a repetição da lógica partidária, quase sempre em pior. A maioria das pessoas que animam estas listas são militantes partidários e autarcas que, preteridos pela sua própria estrutura, se revoltaram contra elas e foram a votos. Ou seja, são um tira-teimas de contendas internas. Fossem esses autarcas afastados por meros jogos internos (Sintra, Matosinhos e Gaia) ou por se ter tornado insustentável acompanhar as suas tropelias (Oeiras).
Para não ser injusto, quero deixar de fora várias candidaturas de cidadãos que realmente o são (tenham eles ou não militância partidária). Entre algumas, estão as de Braga, Coimbra, Santarém e Beja, para além de outras em concelhos menos populosos. É pelo menos seguro que não nasceram de ajustes de contas dentro dos partidos. A meio caminho está o Porto, onde ninguém ignora que Rui Rio apadrinha a candidatura de Rui Moreira e a importância desta contenda na vida interna do PSD. Ainda assim, não é comparável às de Gaia, Sintra ou Matosinhos.
O que me interessa aqui é isto: num país que se queixa tanto da partidocracia, porque acabaram as listas de cidadãos por se transformar numa forma de combate interno nos partidos por outros meios? Não haverá massa crítica fora dos partidos para organizar listas que correspondam a uma forma diferente de exercer o poder local? Não, em geral não há. Porque a partidocracia que domina a nossa vida democrática não resulta, ao contrário do que é habitual dizer-se, de um cerco feito pelos partidos às instituições e às organizações da sociedade civil (sejam elas sindicatos, ONG ou movimentos sociais). Essa é a consequência e não a causa de uma sociedade civil frágil e de uma cidadania pouco ativa. Os partidos tomam conta de quase tudo porque quase tudo o que pode ser ocupado está vazio de cidadãos.
Portugal não tem vida partidária a mais. Tem sociedade civil a menos. Porque há, em Portugal, uma cultura de demissão cívica, que começa no bairro e na empresa e acaba no País. Há exceções, seja no associativismo cultural e desportivo, seja nos bombeiros ou no voluntariado social. Mas raramente correspondem ao desejo de uma participação política cidadã. Não, os portugueses não estão apenas fartos dos políticos. A prova é que depositam neles, sem hesitar, todo o poder. Do que os portugueses estão há muitos anos distantes é da política. Porque não querem saber da pólis. Porque têm um baixíssimo sentido de pertença a uma comunidade. E por isso têm tido tão maus governantes. Quem não exerce a cidadania democrática no quotidiano dificilmente pode fazer escolhas acertadas de 4 em 4 anos.~
Daniel Oliveira/«Expresso»

4 comentários:

Anónimo disse...

Gosto MUITO de ler Daniel Oliveira, ex-militante bloquista. Este artigo diz tudo, atente-se ao seu final.

Do que os portugueses estão há muitos anos distantes é da política. Porque não querem saber da pólis. Porque têm um baixíssimo sentido de pertença a uma comunidade. E por isso têm tido tão maus governantes. Quem não exerce a cidadania democrática no quotidiano dificilmente pode fazer escolhas acertadas de 4 em 4 anos.

Anónimo disse...

Gostei do artigo. Só faltou ao autor falar duma outra classe de candidaturas nestas autárquicas, a de ressabiados de partidos que se chegam a candidatar por partidos em tudo antagónicos ao que pensávamos ser o seu ideal de sociedade. É o caso de um Moreira, um Sardinheiro, um Atela, que se passaram para o PSD (de forma envergonhada, é certo!) ao invés de se candidatarem por uma lista de independentes.
A propósito disto, quero manifestar aqui a minha repugnância por ter recebido no correio um panfleto do PSD / MPT / Todos por Alpiarça, daqueles com a indicação de onde colocar a cruz. Ora, veja bem o sr. Centeio que continuam a querer enganar a população colocando uma cruz à frente das palavras "Todos por Alpiarça" sem qualquer referência aos partidos da candidatura e aos símbolos. Porquê e para quê? Já todos em Alpiarça sabem que se trata da candidatura do PSD. Será desonestidade crónica ou mentira compulsiva?
Aliás, o único panfleto deste tipo que eu vi que é uma réplica fiel do boletim de voto é o da CDU onde aparece tudo como será no dia 29. Porque tanto o PSD fez o que relatei, como PSD e PS ocultaram do papel os outros partidos, sendo só visível o seu, com a respectiva cruz à frente. Na CDU não há cá medos, aparecem todos, com a cruz à frente do melhor, a CDU claro! Isto é que é ser sério e honesto.

Anónimo disse...

Eu queria aqui dar os meus parabéns ao movimento por mais um excelente trabalho. Este jornal está magnifico, as fotos das pessoas estão fantasticas e o Mario Santiago mais uma vez diz das boas

Força que no domingo lá estarei com a minha famelga para votar em vocês

Anónimo disse...

Gostei particularmente do artigo que vinha nesse jornal "Porque as empresas não investem em Alpiarça".
É claro como água, e é revoltante saber que por efeito do piquete de greve e das queixas dos activistas do PCP, se estiveram quase a estragar centenas de milhares de litros de leite, num país onde as crianças, e não só, passam FOME.
Mas o PCP ficou muito contente com os resultados e espalhou as fotos do piquete por tudo quanto é lado.
Pode ser que os alpiarcenses tenham percebido a razão de não investirem mais empresas em Alpiarça.