por José António Saraiva/Sol |
A
Justiça portuguesa atravessa uma fase crítica. As candidaturas às autárquicas
puseram a nu a inconsistência das leis, as incoerências dos tribunais e a
volatilidade da opinião dos juízes.
O
facto de uns tribunais terem autorizado candidaturas de ‘dinossauros’ e de
outros as terem chumbado criou a ideia de que a Justiça é totalmente aleatória.
As
pessoas ficaram a pensar que, se forem julgadas no tribunal A, terão uma
determinada pena – mas se o julgamento for no tribunal B a pena será
completamente diferente.
Tudo
depende do tribunal e do juiz.
Ora,
isto é fatal para a Justiça – lançando-a no descrédito.
A
Justiça, para se fazer respeitar, tinha de ser só uma aos olhos dos cidadãos.
As
sentenças tornaram-se uma autêntica lotaria.
Dir-se-á
que isso não tem importância alguma, visto que as decisões dos tribunais de
primeira instância são depois corrigidas e uniformizadas pelo Tribunal
Constitucional.
Só
que daí decorre outra consequência terrivelmente perversa: os tribunais de
primeira instância, sendo desautorizados pelas instâncias de recurso, tendem a
ser cada vez mais desrespeitados pela população.
Instala-se
a ideia de que não servem para nada, pois o que vale são as decisões da
Relação, do Supremo ou do Tribunal Constitucional.
E
os juízes de primeira instância tornam-se aos olhos das pessoas uns verbos de
encher, umas figuras de corpo presente, cujas sentenças são irrelevantes.
Esta
sensação de que a Justiça é aleatória tem sido ultimamente muito reforçada
pelas providências cautelares.
Hoje,
por tudo e por nada, se mete uma providência cautelar.
Cujo
destino depende do juiz que a recebe.
Se,
num determinado tribunal, um juiz pode dar razão a uma providência cautelar que
exige a suspensão de uma obra, como aconteceu no Túnel do Marquês, noutro
tribunal outro juiz pode dar razão a uma providência que proíbe a paralisação
de outra obra, como aconteceu na A26.
Não
há um critério uniforme.
E
depois ninguém se responsabiliza pelos transtornos, pelos danos causados, por
nada: o juiz lava as mãos como Pilatos, alega a sua ‘irresponsabilidade’ nas
decisões, e quem foi prejudicado que arque com as consequências e os custos.
A
este descrédito dos tribunais e dos juízes de primeira instância junta-se,
noutro plano, o Tribunal Constitucional.
O
TC tem estado no centro da luta política, ao opor-se a leis que o Parlamento
aprovou.
Essa
oposição, em princípio, é legítima, pois nenhuma lei pode violar a
Constituição.
Aí
é que a porca torce o rabo.
E
fica a ideia de que, tal como acontece nos tribunais de primeira instância, há
muito de aleatório nas decisões do TC – até porque os juízes se dividem,
dizendo uns uma coisa e outros o contrário.
Nesta
medida, a inconstitucionalidade raramente é inequívoca, como alguns pretendem,
antes depende muito da opinião pessoal de cada um dos 13 juízes.
Ora,
para eliminar esta arbitrariedade – e dar maior respeitabilidade e solidez às
decisões do Tribunal Constitucional – faço a seguinte sugestão: os chumbos das
leis aprovadas na Assembleia da República passarem a exigir uma maioria de dois
terços dos juízes do TC.
Uma
lei aprovada no Parlamento só poderia ser chumbada no Tribunal Constitucional
se uma maioria qualificada dos juízes considerasse a sua inconstitucionalidade.
Deste
modo, as decisões do TC teriam outro peso e não suscitariam tantas dúvidas
sobre as motivações ‘políticas’ dos magistrados.
E
também se evitaria que uma lei aprovada por 116 deputados (entre os quais há
sempre muitos juristas) possa ser chumbada por apenas 7 juízes ou menos.
Repito:
estamos num momento crítico, em que as pessoas começam a pensar que a Justiça é
uma questão de sorte ou azar.
Que
a Justiça depende muito dos locais, das circunstâncias, das opiniões e das
simpatias dos magistrados.
Ora
isto é evidentemente o oposto do conceito de Justiça – que tem de ser igual em
todo o território e independente da pessoa que a exerce.
Tem
de haver uma Justiça – e não tantas quantas as comarcas ou os juízes.
Há,
pois, que fazer qualquer coisa para recuperar a credibilidade da Justiça
portuguesa.
Para
já, seria preciso evitar as decisões desencontradas dos juízes de primeira
instância (e, já agora, os infindáveis recursos), que dão um péssimo aspecto;
e, no topo, seria importante tornar mais sólidas e inequívocas as decisões do TC.
Julgo
que tudo isto é evidente.
1 comentário:
Há muito que não leio um artigo tão bem escrito. Aliás já o dr. Marinho Pinto anda a travar esta luta há anos. Será que alguém faz alguma coisa? Claro que não. Interessa que as coisas andem assim...
Enviar um comentário