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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A Justiça tornou-se uma lotaria

por José António Saraiva/Sol
A Justiça portuguesa atravessa uma fase crítica. As candidaturas às autárquicas puseram a nu a inconsistência das leis, as incoerências dos tribunais e a volatilidade da opinião dos juízes.
O facto de uns tribunais terem autorizado candidaturas de ‘dinossauros’ e de outros as terem chumbado criou a ideia de que a Justiça é totalmente aleatória.
As pessoas ficaram a pensar que, se forem julgadas no tribunal A, terão uma determinada pena – mas se o julgamento for no tribunal B a pena será completamente diferente.
Tudo depende do tribunal e do juiz.
Ora, isto é fatal para a Justiça – lançando-a no descrédito.
A Justiça, para se fazer respeitar, tinha de ser só uma aos olhos dos cidadãos.
As sentenças tornaram-se uma autêntica lotaria.
Dir-se-á que isso não tem importância alguma, visto que as decisões dos tribunais de primeira instância são depois corrigidas e uniformizadas pelo Tribunal Constitucional.
Só que daí decorre outra consequência terrivelmente perversa: os tribunais de primeira instância, sendo desautorizados pelas instâncias de recurso, tendem a ser cada vez mais desrespeitados pela população.
Instala-se a ideia de que não servem para nada, pois o que vale são as decisões da Relação, do Supremo ou do Tribunal Constitucional.
E os juízes de primeira instância tornam-se aos olhos das pessoas uns verbos de encher, umas figuras de corpo presente, cujas sentenças são irrelevantes.
Esta sensação de que a Justiça é aleatória tem sido ultimamente muito reforçada pelas providências cautelares.
Hoje, por tudo e por nada, se mete uma providência cautelar.
Cujo destino depende do juiz que a recebe.
Se, num determinado tribunal, um juiz pode dar razão a uma providência cautelar que exige a suspensão de uma obra, como aconteceu no Túnel do Marquês, noutro tribunal outro juiz pode dar razão a uma providência que proíbe a paralisação de outra obra, como aconteceu na A26.
Não há um critério uniforme.
E depois ninguém se responsabiliza pelos transtornos, pelos danos causados, por nada: o juiz lava as mãos como Pilatos, alega a sua ‘irresponsabilidade’ nas decisões, e quem foi prejudicado que arque com as consequências e os custos.
A este descrédito dos tribunais e dos juízes de primeira instância junta-se, noutro plano, o Tribunal Constitucional.
O TC tem estado no centro da luta política, ao opor-se a leis que o Parlamento aprovou.
Essa oposição, em princípio, é legítima, pois nenhuma lei pode violar a Constituição.
 Só que muitas vezes não está em causa a Constituição – mas a interpretação da Constituição.
Aí é que a porca torce o rabo.
E fica a ideia de que, tal como acontece nos tribunais de primeira instância, há muito de aleatório nas decisões do TC – até porque os juízes se dividem, dizendo uns uma coisa e outros o contrário.
Nesta medida, a inconstitucionalidade raramente é inequívoca, como alguns pretendem, antes depende muito da opinião pessoal de cada um dos 13 juízes.
Ora, para eliminar esta arbitrariedade – e dar maior respeitabilidade e solidez às decisões do Tribunal Constitucional – faço a seguinte sugestão: os chumbos das leis aprovadas na Assembleia da República passarem a exigir uma maioria de dois terços dos juízes do TC.
Uma lei aprovada no Parlamento só poderia ser chumbada no Tribunal Constitucional se uma maioria qualificada dos juízes considerasse a sua inconstitucionalidade.
Deste modo, as decisões do TC teriam outro peso e não suscitariam tantas dúvidas sobre as motivações ‘políticas’ dos magistrados.
E também se evitaria que uma lei aprovada por 116 deputados (entre os quais há sempre muitos juristas) possa ser chumbada por apenas 7 juízes ou menos.
Repito: estamos num momento crítico, em que as pessoas começam a pensar que a Justiça é uma questão de sorte ou azar.
Que a Justiça depende muito dos locais, das circunstâncias, das opiniões e das simpatias dos magistrados.
Ora isto é evidentemente o oposto do conceito de Justiça – que tem de ser igual em todo o território e independente da pessoa que a exerce.
Tem de haver uma Justiça – e não tantas quantas as comarcas ou os juízes.
Há, pois, que fazer qualquer coisa para recuperar a credibilidade da Justiça portuguesa.
Para já, seria preciso evitar as decisões desencontradas dos juízes de primeira instância (e, já agora, os infindáveis recursos), que dão um péssimo aspecto; e, no topo, seria importante tornar mais sólidas e inequívocas as decisões do TC.

Julgo que tudo isto é evidente.

1 comentário:

Anónimo disse...

Há muito que não leio um artigo tão bem escrito. Aliás já o dr. Marinho Pinto anda a travar esta luta há anos. Será que alguém faz alguma coisa? Claro que não. Interessa que as coisas andem assim...