Por: Antonieta Dias (*) |
Vivemos numa época em permanente
transformação onde cada dia é iluminado pelos avanços nas tecnologias que se
identificam com a saúde, com a condição biológica e mental dos seres humanos.
Porém, o avanço tecnológico não pode
ser separado da Ética e do Direito e a investigação científica não pode ser
separada da lei nem da ética.
Sendo que, em qualquer área o
conhecimento disponível só pode ser utilizado se respeitar os princípios
fundamentais do Direito.
Importa, ainda referir que a protecção
dos dados pessoais é um direito intrínseco e fundamental da pessoa e das
ciências biológicas.
O direito fundamental de sigilo e
protecção dos dados pessoais do paciente, dados estes adquiridos através da
entrevista clínica no decurso de uma actividade profissional
privilegiada(consulta), cuja informação obtida resulta do grau de confiança que
o doente deposita no médico, tem obrigatoriamente de ser respeitado.
Para o efeito existem vários documentos
publicados, destinados a fundamentar a sua preservação, dos quais salientamos o
Código Deontológico da Ordem dos Médicos (2008), que é constituído por um
conjunto de normas de comportamento, recomendado para a prática médica e serve
de orientação nas várias questões estabelecidas em todos os actos médicos
relacionados com o exercício da actividade profissional.
Este Código contém dois tipos de
normas, que traduzem os princípios éticos fundamentais, conceitos estes imutáveis,
e que estão excluídos de quaisquer conceitos ideológicos ou políticos.
Como exemplos destas normas, fazem
parte o respeito pela vida humana e pela sua dignidade, o dever do segredo
médico, o dever de solidariedade e respeito entre os profissionais, a protecção
dos diminuídos e dos mais fracos e o dever de não descriminação.
Neste mesmo Código Deontológico, são
ainda referidas as normas, que derivam dos usos e costumes.
“O que, no exercício ou fora do
exercício e no comércio da vida, eu vir ou ouvir, o que não seja necessário
revelar, conservarei como segredo.” (Juramento de Hipócrates).
Na época actual o segredo profissional
adquiriu uma fundamentação mais rigorosa, focalizada nas necessidades e
direitos de cidadania como uma prioridade da intimidade passando a ser
entendido como confidencialidade.
A confidencialidade define a propriedade
da informação, que não pode ser disponibilizada ou divulgada a indivíduos,
entidades ou processos, sem prévia autorização do titular da informação, uma
vez que é a garantia da protecção dos dados que são fornecidas pessoalmente aos
profissionais de saúde, com base na confiança e no sigilo médico abrangidos
pelo princípio ético.
“O Médico deve respeitar o direito do
paciente à confidencialidade. É ético revelar informação confidencial quando o
paciente consinta ou quando haja uma ameaça real e iminente para o paciente ou
para terceiros e essa ameaça possa ser afastada pela quebra da
confidencialidade.”
Outro documento importante de
sustentabilidade do dever de preservação de confidencialidade é o Código
Internacional de Ética Médica, em que a 1.ª parte se refere ao dever do sigilo
médico, ao segredo e confiança.
Fazendo uma revisão histórica,
verificamos que o segredo médico já vem do tempo de Hipócrates.
Cerca de 2500 anos depois de
Hipócrates, a obrigação do médico de guardar segredo mantém toda a actualidade
e assume-se como uma necessidade, cada vez mais importante.
Após a segunda guerra mundial, o
segredo médico ficou consolidado, pela defesa dos direitos humanos, tendo como
suportes de apoio:
1.
Declaração
Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro 1948.
Artigo 12.º: “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida
privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem
ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a
pessoa tem direito a protecção da lei.”
2.
Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos
Artigo 17.º: “Ninguém será objecto de
ingerências arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, na sua família, no seu
domicílio ou na sua correspondência, nem de ataques ilegais na sua vida
privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem de
ataques à sua honra e reputação.”
Se o médico não respeitar estes
princípios éticos, incorre no crime de violação do segredo médico, porque não
cumpre o dever a que a sua profissão o obriga e desvirtua o direito do doente,
lesando-o e destruído o mais elevado grau da segurança dos registos clínicos
que fazem parte do segredo profissional dos médicos e que são a garantia da
manutenção da informação privada do doente.
Como escreveu L. Pontes: “não existe
medicina sem confiança, tal como não existe confiança sem confidências, nem
confidências sem segredo.”
No âmbito da segurança informática
para a protecção dos dados do utente é imprescindível que as regras de
confidencialidade sejam respeitadas entre todos os intervenientes, sendo que a
protecção dos dados e informações partilhadas entre o emissor e os restantes
destinatários intervenientes no processo, exigem a garantia do sigilo de
comunicação entre todos.
No domínio da segurança informática a
confidencialidade é entendida como a troca de informações trocadas entre um
emissor e um ou mais destinatários contra terceiros.
Porém, independentemente da segurança
do sistema informático utilizado para o registo da comunicação, a protecção dos
dados deve ser preservada por todos, seja qual for a protecção do sistema
utilizado, de forma a garantir o sigilo da comunicação que é transmitida ao
profissional de saúde.
A confidencialidade encontra-se
intimamente relacionada com o conceito de privacidade de âmbito restrito
resultante da comunicação privilegiada (priviledged
communication), entre o doente e o médico.
“Confidencialidade foi
definida pela Organização Internacional de Normalização Organização
Internacional de Normalização (ISO) na norma ISO-17799 como "garantir que
a informação seja acessível apenas àqueles autorizados a ter acesso" e é
uma pedra angular da segurança da informação.
É obrigação do médico guardar segredo
de todas as informações privadas que lhe são reveladas no decorrer da sua
actividade profissional, funcionando como um direito e um dever na preservação
dos interesses do doente.
Em termos bioéticos toda e qualquer
informação obtida através das palavras ou do exame físico é confidencial, só
podendo ser revelada se o doente o permitir, constituindo assim o pressuposto
de confiança que o doente tem no médico que o trata, subentendendo-se a
existência de fidelidade do profissional que obtém a informação.
O conceito de privacidade é entendido
como o controlo que a pessoa exerce sobre o acesso de outros a si próprio,
sobre a preservação da sua intimidade, no decurso da prestação de cuidados
assistenciais.
O doente tem o direito à preservação da sua
privacidade, ao respeito pelo direito
à intimidade, em todos os actos que se relacionem com o diagnóstico e
tratamento clínico.
Todo o profissional que se envolve na
cadeia de atendimento clínico é obrigado a manter o sigilo pelos seus códigos
deontológicos, de forma a impedir a existência de manipulação dos dados.
O sigilo sempre foi considerado como
uma característica moral obrigatória da profissão médica.
Assim, a privacidade
constitui uma dimensão da liberdade de cada um, sendo vetada a intrusão por
questões de carácter pessoal por parte de governos, indivíduos ou corporações a
não ser que tenham sido previamente autorizadas por quem as revelou.
O doente tem o direito a ser
respeitado, por toda e qualquer informação que revele ao seu médico,
independentemente ou não se serem situações embaraçosas, quer sejam reveladas
de forma informal ou não.
Entre o médico e o doente
existe uma relação especial e uma comunicação de dados pessoais, pensamentos ou
sentimentos, que podem estar ou não relacionados com a patologia em si, os
quais serão arquivadas no processo clínico do doente, cujo acesso fica
reservado apenas e só fica disponível para ser consultado pelos profissionais
de saúde envolvidos na intervenção do caso clínico.
A confidencialidade é uma
competência de todos os profissionais e das instituições de saúde, em que a
segurança da informação é a base do direito individual à intimidade e a única
garantia que permite ao doente revelar dados da sua vida pessoal, porque sabe
que em circunstância nenhuma serão transmitidos sem o seu prévio consentimento.
Em suma, o segredo médico é
um dos direitos fundamentais dos doentes. A informação contida no seu processo
clínico não pode ser divulgada sem o seu prévio consentimento devidamente
esclarecido e assinado.
E por
último, um alerta importante para os médicos: codificar a doença é um acto
médico, porém dar essa informação a terceiros, por exemplo às seguradoras,
implica uma autorização documentada, com
consentimento informado esclarecido e assinado pelo doente, sem a qual essa informação não poderá ser
disponibilizada.
(*) doutorada em Medicina
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