Lembrar António Alves Redol é recuperar o orgulho de se ser escalabitano.
Os facilitismos da Democracia, os direitos adquiridos potenciaram uma geração de gente sem memória, que quer porque sim, mas que estagna na podridão das águas.
Redol nasceu em 1911, em Vila Franca de Xira. E o Ribatejo não podia estar mais revelado, pela sua linguagem escrita, visual e pictórica, do que na sua magnifica obra “Gaibéus”. Num fim-de-semana de reflexão de agruras e lamentações (que não as de Jeremias que essas reservam-se a quem aproveita o domingo para ir à missa), alguns avós, pais e netos podiam juntar-se, pela caída da tarde, e fazer a história desse outro tão desconhecido Ribatejo.
O livro é um exímio enfeitiçador de sensações, um ilusionista de puras impressões, um criador de imagens, um discurso poético. Tudo numa linguagem profundamente descritiva, a lembrar o jeitinho para vestir a mesa, cheirar as delícias da cozinha e a reprovar a adega em Eça, dando-nos a (re)ver, com uma emoção crescente e arrepiantemente beliscadora as paisagens ribatejanas que nos remetem para a infância, emprestando-nos os gestos e expressões de suas personagens, levando-nos a uma volta na máquina do tempo escalabitano.
Cruzando o discurso verbal e o pictórico, volto à minha mágica lezíria, ao colo dos meus avós, ao cheiro açucarado dos meloais, ao vermelho e verde e amarelo dos tomatais, à quentura das matizes das searas.
A história de um qualquer ribatejano entra por este quadro adentro e faz-nos mitos presentes do encantatório escalabitano.
Gaibéus é o ponto de chegada e de partida de um homem que saiu e reentrou na sua terra, sem nunca a tirar do peito. Antes de Gaibéus, sentiu e viveu a alma daquele campo matizado de amarelos, verdes, ocres e castanhos, ouviu o chamamento da lezíria, e chegou a pousar para aprofundar o trabalho nos arrozais. É a história da alienação de uma comunidade de trabalhadores, que sangra com a sua exploração, em parte resultado da sua incapacidade de se juntar a outras comunidades de jornaleiros. É um romance do divórcio entre ganhões, que resgatam algumas bouças ou sulcos, e outros alheados de qualquer sentido de propriedade, seja uma qualquer chalorda ou canteiro.
Redol, como Saramago, estava convicto de que era possível a união entre uns e outros, mal descobrissem a realidade que os unia: a mesma fome.
Lembremo-nos da parábola dos quatro jovens rabezanos e dos três jovens gaibéus.
Talvez ainda valha para hoje a lição.
Por Anabela Melão – Co-Fundadora da Academia Laica e Republicana
Os facilitismos da Democracia, os direitos adquiridos potenciaram uma geração de gente sem memória, que quer porque sim, mas que estagna na podridão das águas.
Redol nasceu em 1911, em Vila Franca de Xira. E o Ribatejo não podia estar mais revelado, pela sua linguagem escrita, visual e pictórica, do que na sua magnifica obra “Gaibéus”. Num fim-de-semana de reflexão de agruras e lamentações (que não as de Jeremias que essas reservam-se a quem aproveita o domingo para ir à missa), alguns avós, pais e netos podiam juntar-se, pela caída da tarde, e fazer a história desse outro tão desconhecido Ribatejo.
O livro é um exímio enfeitiçador de sensações, um ilusionista de puras impressões, um criador de imagens, um discurso poético. Tudo numa linguagem profundamente descritiva, a lembrar o jeitinho para vestir a mesa, cheirar as delícias da cozinha e a reprovar a adega em Eça, dando-nos a (re)ver, com uma emoção crescente e arrepiantemente beliscadora as paisagens ribatejanas que nos remetem para a infância, emprestando-nos os gestos e expressões de suas personagens, levando-nos a uma volta na máquina do tempo escalabitano.
Cruzando o discurso verbal e o pictórico, volto à minha mágica lezíria, ao colo dos meus avós, ao cheiro açucarado dos meloais, ao vermelho e verde e amarelo dos tomatais, à quentura das matizes das searas.
A história de um qualquer ribatejano entra por este quadro adentro e faz-nos mitos presentes do encantatório escalabitano.
Gaibéus é o ponto de chegada e de partida de um homem que saiu e reentrou na sua terra, sem nunca a tirar do peito. Antes de Gaibéus, sentiu e viveu a alma daquele campo matizado de amarelos, verdes, ocres e castanhos, ouviu o chamamento da lezíria, e chegou a pousar para aprofundar o trabalho nos arrozais. É a história da alienação de uma comunidade de trabalhadores, que sangra com a sua exploração, em parte resultado da sua incapacidade de se juntar a outras comunidades de jornaleiros. É um romance do divórcio entre ganhões, que resgatam algumas bouças ou sulcos, e outros alheados de qualquer sentido de propriedade, seja uma qualquer chalorda ou canteiro.
Redol, como Saramago, estava convicto de que era possível a união entre uns e outros, mal descobrissem a realidade que os unia: a mesma fome.
Lembremo-nos da parábola dos quatro jovens rabezanos e dos três jovens gaibéus.
Talvez ainda valha para hoje a lição.
Por Anabela Melão – Co-Fundadora da Academia Laica e Republicana
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